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quinta-feira, setembro 22, 2011

Doutor: Por mérito, por decreto não

Gil Lúcio Almeida, Ft, Mc, Ph.D - Ribeirão Preto - São Paulo

Quando comparados com outros países em desenvolvimento, no Brasil são poucos os
que terminam a graduação em um curso de nível superior. Por outro lado, infelizmente ainda
somos um dos campeões quando se trata do índice de analfabetismo. Dizem que "em um país
de cego quem tem um olho é rei". Parece que na terra de Carlos Chagas, alguns profissionais
abusaram desse dito, quando tratam de informar ao consumidor de seus serviços, as suas
verdadeiras titulações acadêmicas.

Em 20 de dezembro de 1996 foi criada a Lei n.º 9.394, decretada pelo Congresso
Nacional e sancionada pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso,
estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional. Essa Lei estabeleceu os níveis e as
modalidades de educação e ensino como sendo: a educação básica, formada pela educação
infantil, ensino fundamental, ensino médio e a educação superior (Art. 21). A educação
superior abrange os seguintes cursos e programas: i) cursos seqüenciais; ii) de graduação; iii)
de pós-graduação (compreendendo programas de mestrado e doutorado), cursos de
especialização e aperfeiçoamento e iv) de extensão.

Programas de pós-graduação por sua vez, são controlados pela Fundação
Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação-
CAPES (para maiores informações www.capes.gov.br/legislacao/index.html) e divididos em
Lato Sensu (especialização e aperfeiçoamento) e Stricto Sensu (mestrado e doutorado,
acadêmico e profissionalizante). Para se chegar à condição de candidato ao doutorado, o
aluno primeiro tem que cursar e concluir com êxito um curso de graduação e depois um de
mestrado.

Antes de se tornarem mestres, os profissionais graduados precisam competir com
vários outros colegas por uma vaga, num exame seletivo nacional, para ingressar em um
Programa de Pós-Graduação que oferece um mestrado Stricto Sensu. Esse exame pode ser
mais seletivo do que um vestibular para entrar num curso de graduação. Entre vários
requisitos para se entrar num programa de mestrado, o candidato terá que demonstrar
capacidade de ao menos ler e entender uma segunda língua.

Depois de passar na primeira peneira e ingressar no mestrado, o profissional graduado
terá que prestar um exame de qualificação e demonstrar a sua capacidade de conhecimento e
didática àqueles que cruzaram com sucesso o difícil caminho da obtenção da titulação
acadêmica. Para se obter o título de mestre, esse profissional ainda terá que cursar e ser
aprovado em várias disciplinas, ministradas por professores doutores. Mas o caminho das
pedras não para por aí. Para se chegar ao final, ainda será necessário realizar um estudo e
escrever um relato sobre a pesquisa realizada, em conformidade com o rigor e o crivo
científico. Esse relato é denominado Dissertação de Mestrado.

Depois de passar por todas estas etapas, uma amiga fisioterapeuta graduada e
candidata ao título de mestre ainda teve que submeter a sua pesquisa científica ao julgamento
de uma massa crítica sofisticada, na presença dos amigos e parentes. Com a voz inicialmente
trêmula, ela foi discorrendo aos poucos o referencial teórico, o método de seu estudo, os
resultados obtidos e finalmente a sua contribuição para o enriquecimento do saber científico,
ético e moral da humanidade. Quando pensava que tudo havia acabado, foi bombardeada por
uma bateria de perguntas e questionamentos sobre a sua pesquisa.

Finalmente, ela estava feliz porque poderia utilizar, por mérito, o título de mestre que
conquistou de direito e de fato. Abraçou o seu orientador, um professor doutor e o agradeceu
pelos ensinamentos, paciência e dedicação à sua formação. Também beijou os seus familiares
e agradeceu a todos pelo sacrifício financeiro de mais 2,5 anos de investimentos no seu
mestrado. Então, despediu-se dos colegas, alguns dos quais iriam gastar dois anos a mais do
que ela para terminar o mestrado.

Depois de um pequeno descanso, ela partiu em busca do doutorado. Logo percebera
que o caminho das pedras estava apenas começando. O ritual a caminho do doutorado seria
muito parecido com o do mestrado. Porém, os caminhos seriam ainda mais difíceis e
criteriosos. Primeiro foi uma nova prova pública para entrar num Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu, ao nível de doutorado. Como o programa que ela escolheu era
bastante rigoroso, também precisou comprovar que publicou parte de seu trabalho de
mestrado em uma revista científica. Para ser candidata ao título de doutora, mais uma vez
passou por um exame de qualificação. No doutorado, as provas foram ainda mais abrangentes
e difíceis. Cursou novas disciplinas e demonstrou que conhecia o estado de arte dos
conhecimentos científicos na sua área de atuação. A sua pesquisa, chamada de Tese de
Doutorado, como determina a lei, foi sobre um tema original e gerou novos conhecimentos.
Como o seu programa primava pelo rigor e qualidade, ela publicou dois artigos científicos em
revistas indexadas, antes de submeter a sua tese ao julgamento dos professores doutores.
Depois de 4,5 anos de um trabalho difícil e de mais sacrifícios pessoais e financeiros, a minha
amiga liga o data show e começa a discorrer sobre a sua Tese de Doutorado. Foram mais de 5
horas de perguntas e questionamentos. Como a sua formação foi sempre sólida, ela tirou de
letra e conquistou o seu título de doutora. Abraços no orientador, familiares e nos colegas,
alguns dos quais levaram mais de seis anos para concluir o doutorado.

Três anos depois de seu doutoramento, a minha amiga estava na formatura de sua
irmã mais nova, feliz por ter acompanhado a formação de mais uma graduada em fisioterapia.
De repente ela escuta alguém parabenizando os recém graduados como doutores. Todo o
filme do caminho das pedras que ela percorrera para obter o título de doutora passara pela sua
cabeça, enquanto o senhor de voz rouca sentenciava num passe de mágica e em nome de um
decreto, o título de doutor para os graduados presentes. Não entendia ela por que reduziam
em decreto o que deveria ser conquistado com luta, esforço e mérito.

De volta para sua casa, a minha amiga foi procurar as razões do doutor de decreto. Ela
não pode acreditar nas razões que justificavam o art. 44, inciso II da resolução do COFFITO-
6 e de vários CREFITOS. Numa destas justificativas dizia que "não existe preceitos legais
disciplinando a concessão de título de doutor no direito positivo brasileiro, consubstanciado
na Lei n. 5540 de 28.01.68 e no decreto lei n. 465 de 10.02.65." A princípio, pensou em
liderar um movimento nacional que declarasse que todo brasileiro que soubesse escrever o
nome fosse titulado doutor. Afinal, para alguns a lei não disciplina a concessão deste título.
Porém, logo a doutora percebeu que as Leis 5540 e 465 haviam sido promulgadas
num período de ditadura militar em nosso país. Mas, como leis existem para serem
respeitadas, não cabia fazer qualquer paralelo entre os períodos históricos em que as leis são
promulgadas. Porém, ao ler a Lei n.º 9.394 descrita acima e promulgada há quatro anos, a
minha amiga observou dois pontos importantes. Primeiro essa lei define claramente o título
de doutor. Segundo, ela finaliza em seu Art. 92 dizendo que ficam revogadas algumas leis
(nºs 4.024, 5.540, 9.131, 9.192, 5.692, 7.044) e as demais leis e decretos-lei que as
modificaram e quaisquer outras disposições em contrário. A validade dos diplomas de
mestrado e doutorado acadêmico está prevista na Portaria do MEC n.º 132/99 de 02.02.99.
Dessa forma, o primeiro argumento de que "não existe preceitos legais disciplinando a
concessão de título de doutor" não é verdadeira e não tem amparo legal. Ao contrário, este
argumento contraria a única lei em vigor sobre o assunto, que é a Lei n.º 9.394.
Na segunda explicação dos conselhos, a minha amiga quase teve um ataque cardíaco.
Diziam que o uso do título de doutor tinha por "fundamento um tratamento isonômico, sendo,
em realidade, a confirmação da autoridade científica profissional perante o paciente". Para a
nossa fisioterapeuta, isto eqüivaleria a dizer que todo cidadão brasileiro poderia ser chamado
de doutor, uma vez que o tratamento seria isonômico. No entanto, a sua formação lógica a
obrigou a formular um excelente raciocínio. Não é porque alguns profissionais usam da
falsidade ideológica de forma isonômica para se auto-intitularem o que não são que os
fisioterapeutas deveriam fazer o mesmo. Um sorriso muito largo se abriu no seu rosto quando
percebera que antes de concluir o doutorado, nunca havia mentido para recrutar a sua
clientela. Com ou sem o doutorado, ela continuava gozando do mesmo respeito de seus
pacientes/clientes.

Na resolução dos Conselhos não viu nenhum outro argumento que não fosse a
repetição modificada dos dois apontados acima. Ela decidiu então procurar uma das mais
talentosas fisioterapeutas do país. Contou a sua história e a sua frustração para aquela que
sempre fora o seu modelo profissional. A sua modelo profissional disse que estava
participando de uma conferência científica internacional quando dera o seu cartão pessoal
para uma das cientistas presentes. A cientista, uma Ph.D com inúmeros trabalhos científicos
publicados em revistas de impacto, perguntou à sua modelo profissional em qual
universidade ela havia cursado o seu doutorado. Constrangida, coube a ela explicar que na
verdade era uma doutora por decreto. Cortou-se de dor, o coração da minha amiga, porque
sabia dos méritos profissionais de sua modelo.

A minha amiga não resistiu e perguntou qual havia sido a reação de sua modelo.
Ouviu uma história que a deixou ainda mais perplexa. Envergonhada, a sua modelo tomou
uma decisão inusitada. Procurou imediatamente matricular-se em um "programa dito de
doutorado à distância". Viajaria algumas vezes para um outro país, faria algumas disciplinas e
ao término teria o tão desejado título de doutora. A minha amiga pensou em toda a trajetória
que percorrera até conquistar por mérito, o título de doutora e se sentiu lesada no seu direito.
Afinal, o seu caminho até o doutorado durou sete anos, de um trabalho diário e árduo,
incluindo inúmeros finais de semana e feriados. Como poderiam as leis de seu país obrigá-la
a percorrer o longo caminho das pedras para obter o título de doutora, se os seus colegas
poderiam usar um grande atalho para se chegar lá?

Chegou em casa com vontade de jogar tudo pelos ares e se mudar para um país que
respeitasse aqueles que trilham o difícil caminho da qualificação acadêmico-científica.
Porém, a nossa doutora de verdade deixou a racionalidade tomar conta de seus atos e
debruçou sobre as leis a procura de uma explicação para o "jeitinho brasileiro dos
Conselhos". Leu atentamente a Lei n.º 9.394 das diretrizes e bases da educação nacional e em
especial, o Art. 40 sobre o reconhecimento dos diplomas de cursos superiores. Está escrito no
inciso § 3º, as condições para que um título estrangeiro tenha validade nacional como prova
da formação recebida por seu titular: "Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos
por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam
cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em
nível equivalente ou superior". A minha amiga ligou para a sua modelo profissional e contou
o que acabara de descobrir. Depois de alguns contatos com a CAPES e com as Universidades
Públicas Nacionais, chegaram a uma conclusão: Nenhuma instituição pública brasileira séria
aceitaria reconhecer um título estrangeiro que não obedecesse ao rigor imposto pelos
Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu do Brasil, reconhecidos e avaliados pela CAPES.

Logo, nenhum título de mestrado e doutorado à distância seria reconhecido no Brasil.
Porém, mesmo que esses títulos viessem a ser reconhecidos por uma instituição pública
irresponsável, o mercado saberia achar formas de separar o joio do trigo. A profissional
modelo trancou imediatamente o seu doutorado por correspondência e exigiu legalmente, o
ressarcimento do dinheiro investido. Ela tirou de seu cartão profissional o doutor por decreto
e continua gozando do prestígio de seus pacientes/clientes. Hoje ela faz questão de ser
reconhecida com uma excelente profissional graduada em fisioterapia.

Mais tarde, a minha amiga veio a descobrir dois episódios interessantes relacionados
ao título de doutor. No primeiro episódio, ela soube que certa vez um paciente fora lesado
fisicamente por uma conduta errada de um fisioterapeuta. Procurou os seus direitos e teve
sorte de encontrar um advogado tarimbado. Na ação, o paciente argumentava que achava que
estava sendo tratado por um doutor. Por ser doutor, o paciente entendia que o fisioterapeuta
conhecia o estado de arte do conhecimento científico na sua área de atuação. A defesa
argumentou que o COFFITO e os CREFITOs recomendavam a todos os fisioterapeutas o uso
do título de doutor e mostrou a documentação. Porém, a vítima demonstrou com propriedade
que baseado no Código Penal houve crime de falsidade ideológica (artigo 299) e de
estelionato (artigo 171). Por ser um réu primário, a pena para o fisioterapeuta foi de três anos
de reclusão.

Num segundo episódio, um profissional graduado em fisioterapia que usava
indevidamente o título de doutor, abriu uma clínica ao lado da clínica de uma fisioterapeuta
com doutorado. A fisioterapeuta doutora, no exercício de sua cidadania entrou com uma ação
contra o fisioterapeuta graduado que usava um título de doutor que ele não havia
conquistado. Os argumentos e a sentença não foram muito diferentes do caso acima. Alegre,
a nossa doutora percebeu que o terceiro milênio havia chegado ao Brasil e que valeu lutar e
percorrer com dignidade o caminho das pedras que leva ao doutorado. Também ficou feliz ao
perceber que a isonomia da esperteza fora abolida de todos os conselhos federais de todas as
profissões de nosso país.

Do sonho de minha amiga podemos aprender algumas lições. A primeira grande lição
é que competência profissional não depende necessariamente de titulação. Muitos clínicos
graduados continuam a gozar do respeito e da admiração de seus pacientes/clientes. Na
verdade, a única lei capaz de determinar a competência de uma pessoa é a qualidade de seus
serviços. Essa qualidade será sempre prontamente reconhecida pelo mercado. São incontáveis
os números de profissionais graduados, competentes e respeitados pelo consumidor
brasileiro.

Se o título de doutorado não confere necessariamente competência profissional
clínica, então por que se deve respeitar a titulação por mérito acadêmico? Competência
profissional não deve ser entendida, necessariamente, como sinônimo de atualização
profissional e de treinamento científico. É claro que um profissional atualizado e com um
treinamento científico tem mais chances de ser ainda mais competente no exercício de sua
prática clínica. Recentemente, desenvolvemos e implantamos uma Tecnologia da Educação
para um curso de graduação em fisioterapia em uma universidade brasileira (Almeida,
Dionisio, Payno, Sande, 2001). Agora, estamos desenvolvendo essa tecnologia para o ensino
da pós-graduação em fisioterapia. Essa tecnologia é baseada em estudos que realizamos para
identificar as competências e habilidades do fisioterapeuta ao nível da graduação e da pósgraduação.

Nesses estudos, constatamos que existe uma grande lacuna entre os
conhecimentos científicos já sistematizados e publicados no mundo, na área da fisioterapia e
os implementados na prática clínica do fisioterapeuta.

Penso que a principal razão da não incorporação desses conhecimentos no dia a dia da
vida clínica é a falta de treinamento em nível de pós-graduação da maioria de nossos
fisioterapeutas. A complexidade da produção dos conhecimentos científicos e o refinamento
de sua linguagem aumentam a cada dia, o que exige um treinamento em nível de pósgraduação
para que o profissional possa absorver estes conhecimentos e incorporá-los na vida
prática. Existem dois tipos de doutoramento, o acadêmico e o profissionalizante, ambos
Stricto Sensu. O acadêmico treina o profissional para a produção e transmissão do
conhecimento científico e o segundo para o entendimento e incorporação deste conhecimento
na vida clínica. Não deve existir uma dicotomia entre o mundo científico e o clínico.

A interação entre o cientista e o clínico é o melhor caminho para o desenvolvimento de uma
profissão. Porém, não se pode dizer que um profissional graduado tenha a "confirmação da
autoridade científica profissional perante o paciente", pelo simples fato de que ele não foi
treinado para esta competência. Em teoria, somente um curso de doutorado pode conferir ao
profissional a autoridade científica. Na prática, existem as exceções que são os autodidatas.
Estes não precisam se preocupar com o caminho acadêmico. A produção científica desses
autodidatas acaba por forçar a academia a conceder-lhes o título de Doutor Honoris Causa,
que é o título mais cobiçado por aqueles que respeitam os produtores do conhecimento
científico.

A segunda grande lição que aprendemos com minha amiga é que os conselhos federal
e regional de todas as profissões não podem, por princípio ético e legal, recomendar a seus
associados graduados que usem indevidamente o título de doutor. Os conselhos não têm
autoridade legal para se colocarem acima de uma Lei n.º 9.394 decretada pelo Congresso
Nacional e sancionada pelo Presidente da República. O uso indevido de qualquer título
caracteriza crime de falsidade ideológica e de estelionato passíveis de uma penalidade
mínima de três anos de reclusão.

Finalizo conclamando a todas as pessoas de bem e em especial a comunidade
acadêmica que ajudem a construir um Brasil legítimo e legal. Os estudantes, os professores,
os profissionais poderiam enviar abaixo-assinados para os membros de todos os conselhos de
suas categorias (Fisioterapeutas, Médicos, Dentistas, Advogados, etc.) para que anulem
imediatamente as resoluções que recomendam a um graduado, a utilização do título de
doutor. Vamos começar o exercício da ética profissional primeiramente respeitando as leis e
segundo evitando a propaganda enganosa. Vamos forjar as profissões no império da
competência e não no do decreto. No caso da fisioterapia, mais do que nunca, precisamos
discutir uma agenda para a profissão e uma primeira proposta já foi oferecida em um artigo.

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