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segunda-feira, setembro 05, 2011

Vale priva seu funcionário de viver em sociedade

Juiz Federal do Trabalho Jônatas de Andrade


Lotado na Vara Federal do Trabalho de Parauapebas desde 2007 e recém transferido para Marabá, o Juiz Federal do Trabalho, Jônatas de Andrade coleciona uma série de intervenções jurídicas benéficas aos trabalhadores da mineração no sudeste paraense. Acompanhe a entrevista de Brasil de Fato.

A mais emblemática foi contra a mineradora Vale, que reparou a hora “in itinere” (no itinerário) dos funcionários de suas casas a mina da Vale, condenando a companhia a recolher 200 milhões de reais ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, administrado pelo BNDES), pela prática de “dumping social”, e mais R$ 100 milhões como danos morais coletivos, a serem pagos aos funcionários.

Em entrevista, o paraense de Santarém discorre sobre a pressão que sofreu para julgar o caso: “recebia dezenas de telefonemas por dia de pessoas contrárias à ação movida em favor dos trabalhadores”. Além de observações sobre as consequências do modelo de trabalho na maior província mineral do mundo: “não se trata de monetizar e sim de reduzir a jornada, pois a atual forma de trabalho na mina da Vale em Carajás significa acabar com a vida desses trabalhadores”.

Por fim ainda analisa as relações de trabalho na região amazônica e as sanções jurídicas que acredita serem importantes para coibir o trabalho escravo: “Eu prefiro a sanção econômica a colocar um escravocrata na cadeia”. Confira abaixo.

BDF- Quais as principais causas que geram questões jurídicas trabalhistas na região de Carajás atualmente?

JA- As principais causas de questões jurídicas na região estão ligadas à exploração econômica. Historicamente isso se explica pelo avanço da destruição da floresta, primeiro com o extrativismo, depois com o desmatamento para exploração da madeira e agropecuária. Mais recentemente, o vetor da produção mineral em larga escala e a necessidade da conjugação para a produção do aço -do ferro gusa em especial-, que precisa de 70 por cento de carvão. Então você tem duas lesões diretas que repercutem diretamente no nosso dia-a-dia: a ambiental e a trabalhista. Produzir carvão, por exemplo, pelas regras laborais e ambientais gera apenas 10% do custo da produção; essa equação explica a persistência do trabalho escravo e degradante na região, por uma questão econômica. Compensa mesmo, diante do risco de ser flagrado. O Estado, por sua vez financia mas não disciplina. Em Parauapebas (PA), a maior província mineral do mundial, só tem uma autoridade de nível federal que é o juiz do trabalho, falta uma estrutura estatal.

BDF – Parece que o Programa Grande Carajás, em toda sua cadeia de produção, implica ainda mais em desrespeito e precariedade ao trabalhador. A alta rentabilidade das empresas não oferece retornos significativos a trabalhadores e meio ambiente. Em sua opinião, porque isso acontece?

JA- Compensação é o que mantém a lucratividade, não há nada que force uma melhoria, que empurre isso no sentido contrario, é o Estado o responsável. Esse desrespeito e precariedade está ligado à forma de concorrência, inclusive desleal entre as empresas, proporcionado o Dumping Social. As empresas que respeitam as leis ficam sem condições de concorrer. Por isso a importância da intervenção do Estado. A justiça no trabalho de Parauapebas ficou 15 anos sozinha tentando conseguir que a Vale pagasse os horários referentes a itinerância dos funcionários, de suas casas à mina.

E esse órgão lá existe há somente 16 anos, para um projeto (Grande Programa de Carajás) que nasceu 30 anos atrás. Portanto, levamos 16 anos para corrigir um pequeno aspecto, que exigia uma reparação. Pois o trabalhador da Vale levanta às três da manhã, apanha o ônibus as quatro e chega na mina as seis.Sai as quinze horas, tendo mais duas horas e pouco aproximadamente para voltar. Chegando a sua residência as 18h. Assim, ele tem seu tempo livre de fruição pessoal das 18h as 3h da manhã. É um tempo que ele passa dormindo, portanto vive para trabalhar e dormir. Na folga joga-se no álcool e na prostituição; isso explica o alto índice de violência em Parauapebas. Essa é a forma com que se pratica o trabalho em Carajás, na segunda maior mineradora do mundo.

BDF – O senhor, quando atuava em Parauapebas, deferiu uma serie de processos que culminava em multas trabalhistas às empresas. O dinheiro recolhido era determinado para minimizar as demandas sociais da cidade, como saúde, cultura e educação. Na visão do senhor, isso faz com que a empresa não só pague apenas corretamente os direitos dos seus funcionários, mas contribua para equilibrar as questões sociais que as mesmas ajudam a deteriorar nessas cidades, sobretudo com o inchaço populacional?

JA -Isso decorre porque essa forma de vida levada pelos funcionários da Vale ainda implica em um prejuízo coletivo, pois a Vale priva o ser humano, seu funcionário, de viver em sociedade. Ele pode ser um técnico ou um engenheiro, não importa, ambos emitem valores na inserção social, isso é importante. Da forma como é hoje, a mineradora devolve à sociedade um ser humano, no dia de sua folga, em condições que acabam provocando problemas para a comunidade. Isso se caracteriza em uma lesão de natureza coletiva que foi reparada dessa forma, promovendo obras de usufruto da coletividade na própria cidade.

BDF- Como teriam que ser distribuídas as horas de trabalho desses funcionários, para que pudessem levar uma vida com um convívio social maior com a família e sociedade?

JA- São 21 mil trabalhadores hoje na mina de Carajás. Poderiam ser criadas mais 7 mil vagas, se dividir o trabalho em quatro turnos; isso está na Constituição Brasileira, é possível. As pessoas passariam a trabalhar apenas seis horas por dia. Mas a empresa se baseia na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que diz que você pode prorrogar esses horários e monetizar o funcionário, da forma como a Vale faz hoje. Ao meu ver, não se trata de monetizar e sim de reduzir a jornada, pois ao contrário acabar-se-ia com a vida desses trabalhadores.

BDF- O que realmente ganha a classe trabalhadora com o chamado progresso da região?

JA – Nós estamos construindo a história, o trabalhador ganhou muito pouco até agora, mas conseguimos melhorias em escolas, centros profissionalizantes, algum apoio, muito pouco. Isso é um processo em construção que pode ser revertido pela própria dinâmica da sociedade e do Estado.

BDF- Como foi enfrentar a gigante Vale, onipresente em diversas instâncias governamentais e da sociedade civil, para que o pagamento das horas “in itinere” pudesse ser reparado aos trabalhadores?

JA- Foi necessária uma boa articulação, para vencer a resignação. Houve uma serie de pessoas que nos ajudou. Num dado momento tive que me conceituar e ver se eu queria ser um juiz ou não, se valia a pena utilizar as ferramentas jurídicas. Nesse momento o apoio da família pesou muito, pois eu corria o risco de perder a função pelo poderio da empresa.

Tive uma pressão terrível de Brasília, inclusive de dentro do próprio judiciário e dos altos escalões superiores a mim para que eu não fosse à frente com o processo. Recebia dezenas de telefonemas por dia de pessoas contrárias à ação movida em favor dos trabalhadores, isso foi de meados de 2008 até o começo de 2010, ininterruptamente.

BDF- O que poderia modificar a região amazônica, onde atualmente se concentra ocorrência de trabalho escravo, baixos salários, condições de trabalhos precárias e subumanas e trabalhadores rurais expulsos de suas terras?

JA- Temos um cenário na região que nos leva a concentrar quase todas as formas e sistemas de produção, desde o capitalismo mais avançado até a questão escravocrata. Temos integrado alta tecnologia, matriz energética renovável, limpa e temos essas formas de produção precária do trabalhador, ainda mais graves devido à ausência do Estado. Mas a sociedade está se movimentando. A Comissão Pastoral da Terra –CPT- em 1980 mostrou isso quando se dizia que não existia trabalho escravo.

Tudo o que temos hoje a respeito de coerção contra esse crime foi fruto da mobilização da sociedade civil e da pressão internacional. O dano moral coletivo, infligido às empresas, foi fruto dessa pressão. É o que mais funciona. Eu prefiro a sanção econômica a colocar um escravocrata na cadeia.

Essa função criminal de encarcerar o infrator não adianta, se a atividade criminal não cessar em suas fazendas. Não defendo a impunidade, mas defendo que teríamos que empobrecê-lo, buscando, por exemplo, sanções internacionais que boicotem a carne produzida com trabalho escravo. Isso é mais efetivo do que eu tentar punir judicialmente a empresa, pois meu sistema jurídico é extremamente conservador, não modifica a situação.

Para entender
Denomina-se dumping social a prática na qual se busca vantagens comerciais através da adoção de condições desumanas de trabalho.

Para aprofundar
No ano de 2005, a riqueza criada por cada funcionário da Vale foi de US$ 302.700. Um funcionário custou em média para a empresa em torno de US$ 14 mil ao ano, portanto ele rendeu para empresa US$ 228.700. Considerando uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, significa que o trabalhador pagaria seu salário mensal com apenas 6 (seis) horas de trabalho.

Fonte: Movimento dos Atingidos pela Mineração


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