No que veio a pergunta sobre o retorno de Lula, ela não teve dúvida.
Quanto vale sua retórica?
GUILHERME FIUZA
É dura a vida sem teleprompter. Dilma Rousseff tem ótimas ideias quando
lê o que seu marqueteiro escreve para ela dizer à nação. Nem é preciso
decorar.
Basta dar ênfase às palavras sublinhadas, sorrir quando a
rubrica manda sorrir – e surge a estadista.
Outro dia, a presidente
tomou coragem e resolveu dar uma entrevista por ela mesma, na bucha, sem
efeitos especiais.
Era para a mídia impressa, então ninguém veria suas
famosas pausas na busca aflita pela linha de raciocínio.
Mas a coisa
complicou mesmo assim.
Alguém precisa urgentemente inventar o
teleprompter 24 horas.
Na fatídica entrevista à Folha de S.Paulo, Dilma se soltou. “Eu tô misturada com o governo dele total”, disse, numa referência à administração do seu antecessor e padrinho.
Na fatídica entrevista à Folha de S.Paulo, Dilma se soltou. “Eu tô misturada com o governo dele total”, disse, numa referência à administração do seu antecessor e padrinho.
Nesse tom despachado, tipo
estadista de beira de estrada, chamando a repórter de “minha querida”
sempre que se irritava (tentando ser contundente sem o bendito letreiro
do teleprompter), a presidente produziu uma pérola.
Respondendo sobre a
queda de sua popularidade, e as consequentes especulações em torno de
uma volta de Lula à Presidência em 2014, Dilma disse: “Lula não vai
voltar, porque ele não saiu”.
Se o marqueteiro presidencial assistia à entrevista, deve ter suspeitado que o grande momento chegaria.
Se o marqueteiro presidencial assistia à entrevista, deve ter suspeitado que o grande momento chegaria.
Na busca por tiradas espertas,
numa espécie de arremedo brizolista (frases de efeito para não
responder ao que é perguntado), Dilma já tinha dito coisas como “tudo o
que sobe, desce” – para em seguida emendar, triunfal: “Tudo o que desce,
sobe”.
E isso acompanhado do gestual de malandragem, usando o dedo
indicador para arregalar o olho puxando a pele para baixo, tipo “eu sei
das coisas”.
No que veio a pergunta sobre o retorno de Lula, ela não
teve dúvida: rebateu com uma variação do famoso “a volta dos que não
foram”.
A declaração de que Lula não voltará porque não saiu significaria, num país atento e saudável, um fim de linha.
A declaração de que Lula não voltará porque não saiu significaria, num país atento e saudável, um fim de linha.
Uma admissão cabal e inequívoca
de nulidade – a maior autoridade da República desautorizando
publicamente a si mesma.
A patética confissão de uma marionete.
O Brasil
passou os últimos dois anos e meio cultivando fetiches para dar
recordes de aprovação a Dilma: as mulheres no poder, a grande gestora
que enquadra os políticos, a “presidenta” que fala menos (do que Lula) e
faz mais, a faxineira ética que não tolera os métodos duvidosos do seu
antecessor, a “gerentona” que domou o PT etc.
Enquanto o Brasil vivia
feliz da vida esse delírio, Dilma agia como se Lula fosse um retrato
amarelado na parede. “No meu governo mando eu”, e daí para cima.
De repente, num soluço das pesquisas de opinião, a carruagem vira abóbora.
De repente, num soluço das pesquisas de opinião, a carruagem vira abóbora.
A Cinderela dos oprimidos volta à condição de serviçal e revela
a fada madrinha barbuda (ou bigoduda).
Ninguém entendeu mal, ninguém
ouviu errado.
Dilma declarou espontaneamente, sem teleprompter, que Luiz
Inácio da Silva nunca saiu da Presidência da República.
Não é uma
dedução.
A pergunta era sobre uma possível volta de Lula à Presidência.
Portanto, Dilma declarou que “ele não saiu” da Presidência.
Se ela não
sabe o que diz, não pode presidir um país.
Se sabe – pelo significado do
que disse –, também não pode.
O Brasil, por alguma razão misteriosa, se recusa a ver é que Dilma é o Celso Pitta de Lula.
O Brasil, por alguma razão misteriosa, se recusa a ver é que Dilma é o Celso Pitta de Lula.
Uma personagem inócua, eleita por um país
irresponsável, para guardar o lugar do PT e seus sócios na mina de ouro
do Planalto.
O resultado disso é um governo faz de conta, em que o
titular de fato circula por aí fazendo lobby, e a titular de direito
solta balões de ensaio para distrair a plateia.
Um governo que mente à
luz do dia sobre suas próprias contas, que vem anunciar um corte
orçamentário de fantasia, quando, na realidade, acaba de gerar o pior
resultado fiscal desde o governo passado, avacalhando progressivamente a
meta de superavit.
Na mesma entrevista, a presidente que é mas
não é defende seu ministro da Fazenda, ridicularizado mundo afora, para
negar a evidente escalada inflacionária.
Quanto vale a retórica oca de uma autoridade sem poder?
Esse poder emana de um povo que sai às ruas sem saber por quê.
Quem
sabe o papa Francisco não dá uma passadinha no Palácio e resolve essa
bagunça?
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