Sou de família
assembleiana, quando nasci meus pais eram da Madureira, tenho dois primos e um
tio pastores no Ministério do Belém,
um segundo tio é pastor de Madureira,
meu sogro é presbítero e dirigiu diversas congregações da Assembléia,
minha esposa nasceu e foi criada nesta
igreja e atualmente me vejo pastor ligado à CGADB (Convenção Geral das
Assembléias de Deus) através do Belém.
Meu
espírito livre me levou a sair da Assembléia de Deus ainda jovem, fiz minha
formação teológica num Instituto Batista e por último pastoreei uma igreja
anabatista de origem alemã.
Por
algumas razões há três anos retornei à Casa onde nasci.
Não
demorou muito e percebi que a igreja à qual retornara não era mais aquela de
onde saíra.
Senti-me
como alguém que deixa a pátria onde nasceu e ao retornar se sente como um
estrangeiro da terra natal.
As
diferenças eram tantas que me lembrei de uma frase inúmeras vezes repetida por
meu avô materno (nascido em 1901 e convertido ainda jovem na Assembleia de Deus
da Missão).
Quando
via algum absurdo da parte da liderança da igreja, o velho dizia: “Quando a Assembléia era de
Deus, isso não acontecia”. E acrescentava, dizendo: “os homens se juntaram e
tomaram de Deus a Assembléia de Deus, que agora é dos homens…”
Por
ser criança não compreendia ao certo o que o levava meu avô a afirmar isso.
Entretanto, esses três anos de Assembléia de Deus me levaram a uma compreensão
empática do velho. Ou seja, não somente compreendo, mas sinto o que ele sentia.
Havia na expressão do meu avô uma vanguarda profética.
Hoje,
não chego a afirmar que a Assembleia não é de Deus, pois ainda há nela um povo
caminhante que, não obstante sua liderança, serve a Deus com sinceridade e
aguarda a volta do seu Redentor. Mas talvez esta seja uma das poucas
características que ainda lhe assegure o nome que tem.
A
Assembleia não é dos homens. É de Deus. Mas não há dúvida de que os homens –
suas lideranças – estão tratando-a como os sacerdotes dos tempos proféticos
tratavam a Casa de Deus. Se não, vejamos.
Centralização do poder econômico
A
Assembleia de Deus perdeu sua característica de comunidade simples e é uma das
igrejas mais ricas do Brasil. Isso a torna semelhante ao Clero Romano que
tanto criticamos por sua centralização de poder. Se parece com o sacerdócio do
Antigo Testamento tão criticado pelos profetas de então.
Em
nível nacional sua riqueza se concentra principalmente na CGADB – que tem como
uma das principais fontes financeiras a CPAD (Casa Publicadora das Assembléias
de Deus), cuja arrecadação se assemelha a de grandes editoras, como por
exemplo, a Abril – e no Ministério do Belém, hegemônico entre os demais
ministérios ligados à Convenção.
Estrategicamente
esse império, formado principalmente pela CGADB e Belém, se concentra nas mãos
de pouquíssimas pessoas, lideradas pelo pastor José Wellington Bezerra da
Costa, na presidência simultânea das duas entidades há mais de duas décadas.
Em
níveis regionais o poder econômico é distribuído favorecendo os mesmos
presidentes de Campo que em nível nacional apóiam e se locupletam com José
Wellington. A gestão dos Campos reproduz a administração regional, com
centralização de poder e de dinheiro.
É
canalizada para a Sede do Campo toda a renda das congregações que em virtude
disso perdem a autonomia para realizações descentralizadas. Para citar só um
exemplo, a Congregação onde ajudei ultimamente necessita de manutenção das suas
dependências, de infra-estrutura para a Escola Dominical das crianças e de
instrumentos musicais.
Tem
uma arrecadação mensal estimada entre R$ 5 mil e R$ 8 mil (digo estimada, pois não se tem
acesso à informação da sua arrecadação), mas como deve encaminhar integralmente
seus ingressos à Sede, não pode atender suas necessidades locais.
Com
isso, os departamentos fazem malabarismo para arrecadarem algum dinheiro. Por
exemplo, o Círculo de Oração (departamento feminino) faz pizzas e nhoque e
vende para os membros, que já contribuem com seus dízimos e ofertas.
Hereditariedade do poder
Outro
fenômeno que vem se reproduzindo nas últimas décadas, em especial nas AD do
Estado de São Paulo, é a hereditariedade de poder nas esferas regionais.
É
comum pastores presidentes de Campo prepararem seus filhos para os sucederem
ministerialmente. Por exemplo, no Campo de Presidente Prudente/SP o pastor
presidente atual é João Carlos Padilha, filho do ex-pastor presidente Carlos
Padilha.
No
Campo de Indaiatuba/SP o pastor presidente é Raimundo Soares de Lima que tem
como vice-presidente e sucessor estatutário o próprio filho, pastor Rubeneuton
de Lima, mais conhecido como Newton Lima.
No
Campo de Araçatuba o presidente é o pastor Emanuel Barbosa Martins e o
vice-presidente é seu filho, Emanuel Barbosa Martins Filho.
No
Campo de Limeira o ex-presidente, pastor Joel Amâncio de Souza, fez como seu
sucessor o próprio filho, pastor Levy Ferreira de Souza. Medida que foi pivô de
considerável divisão na igreja.
Há
uma grande possibilidade da hereditariedade de poder se aplicar em nível
nacional, pois é de conhecimento dos pastores da CGADB que o pastor José
Wellington prepara sua sucessão para um dos filhos, José Wellington Costa
Junior, vice-presidente da AD em São Paulo, Ministério do Belém e presidente do
Conselho Administrativo da CPAD.
Cabe
uma pergunta em relação a isso: É Deus ou o homem quem escolhe o sucessor da
presidência da igreja? Penso que a possibilidade de Deus escolher tantos filhos
de presidentes como seus sucessores está descartada.
As
igrejas do Novo Testamento não eram assim. As congregações escolhiam seus
oficiais (Atos 6.1-6, 14.23) e não tinham um pastor presidente que dominava
sobre elas.
Sem transparência financeira
Outra
coisa que me intrigou ao retornar para a Assembléia de Deus foi descobrir que
não é dado saber – senão a duas ou três pessoas da diretoria da Sede – nada
sobre a movimentação financeira do Campo.
Estima-se
que num Campo como o de Campinas, por exemplo, a receita gire em torno R$ 1,5
milhão por mês. Não se sabe ao certo quanto entra e como é gasto o dinheiro;
quanto ganha por mês o pastor presidente, pastores regionais e distritais.
Recentemente ouvi de uma liderança leiga que o custo de manutenção do pastor
presidente, no caso do Campo de Campinas, beira os R$ 60 mil mensais.
Sabe-se,
no entanto que as congregações das periferias são pastoreadas por homens
simples, que mal recebem ajuda de custo. Assim, muitos têm seus empregos para
se sustentarem e os que não conseguem se empregar chegam a passar por privações
e apuros financeiros.
A
explicação para a ocultação orçamentária é a segurança. Afirmam que não divulgam suas
contas para evitarem assaltos. Isso não é verdadeiro, pois qualquer assaltante
bem informado sabe que igrejas movimentam rios de dinheiro.
E
uma coisa é divulgar aos quatro cantos o quanto a igreja arrecada, expondo-a a
riscos de roubos, outra coisa é manter seus membros informados do total
coletivo das suas contribuições.
Afinal,
igreja não é empresa privada, que somente o dono tem acesso às suas informações
financeiras.
Do
ponto de vista legal as igrejas são associações civis regidas pelo Código Civil
e como tais, segundo a legislação, devem prestar contas de sua movimentação
financeira aos associados, que no caso da igreja são os seus membros.
Por
exemplo, o Artigo 59, Inciso III do Código Civil diz que “Compete
privativamente à assembléia geral (…) aprovar as contas” da instituição.
Como
poderão aprovar (ou reprovar) as contas sobre a qual pouco ou nada se sabe? Ou
como aprovarão se sequer participam das assembleias, em cuja pauta não se
coloca em votação a aprovação financeira?
Do
ponto de vista bíblico não há nada que se pareça com isso. Não há no Novo
Testamento uma associação de igrejas com um presidente arrecadando os ingressos
das congregações para administrá-los centralizadamente, se beneficiando de
altos salários.
Entretanto,
a falta de transparência financeira não é um “privilégio” exclusivo das igrejas
e dos Campos.
Recentemente
o pastor Antonio Silva Santana, eleito em 2009 primeiro tesoureiro da GADB,
renunciou alegando falta de acesso às principais informações de caráter fiscal
e financeiro da instituição.
Quando
não se lança luz sobre uma questão tão importante como esta, obscurece-se a verdade,
dando margens a dúvidas.
Por
exemplo, pode-se perguntar se o dízimo dos contribuintes não foi usado nas
últimas eleições para financiar campanhas políticas de pastores candidatos a
cargos eletivos.
Esse
questionamento nos leva ao próximo assunto.
Vínculo com a política partidária
Não
é preciso fazer nenhum esforço mental para perceber que estas características
(centralização do poder econômico, hereditariedade do poder e falta de
transparência financeira) são próprias das instituições contaminadas pelo abuso
de poder, pela ganância, pelo nepotismo, etc. Trata-se de um quadro muito comum
nas esferas da política partidária.
Assim
sendo, como “um abismo chama outro abismo” (Salmo 42.7), era de se esperar que
a Assembléia de Deus refizesse (pelo menos tenta refazer), através de sua
atuação político-partidária, o casamento entre a Igreja e o Estado, união
responsável pelo apodrecimento da fé e cujo divórcio custou o sangue de
mártires na História do Cristianismo.
Há
atualmente em algumas igrejas a idéia de que “o povo de Deus precisa de
representantes na política”.
Particularmente
tenho uma opinião desenvolvida sobre isso, exposta em recente artigo que
escrevi, “Por que não voto em ‘irmão de igreja’”, publicado em meu blog
pessoal.
Mas,
opinião individual a parte, o que mais assusta é o pragmatismo com o qual essa
questão vem sendo tratada nas Assembléias de Deus ligadas à CGADB.
A
33ª assembléia geral ordinária da CGADB, realizada em Belo Horizonte em 1997 –
e portanto presidida pelo pastor José Wellington – aprovou uma resolução que
recomenda aos pastores titulares não se candidatarem a cargos eletivos.
Para
se candidatar deve o ministro se desvincular de seu cargo pastoral. A resolução
é sábia, pois visa, entre outras coisas, poupar a igreja de envolvimento com
escândalos políticos que nela respingam, como ocorridos em episódios
conhecidos.
Entretanto,
não obstante a resolução, recentemente o pastor José Wellington esteve em
Campinas e, numa reunião com pastores num hotel, pediu a estes o apoio à
candidatura a deputado federal de seu filho Paulo Roberto Freire da Costa –
presidente do Campo de Campinas – sem sequer tocar no assunto da desvinculação
proposta na resolução que ambos ajudaram a aprovar.
Paulo
Freire foi eleito e continua presidente da Assembleia Campinas, como se a
resolução não existisse.
Ironicamente,
a igreja de Campinas foi envolvida num escândalo político quando pastoreada por
Marinésio Soares da Silva, antecessor de Paulo Freire.
O
escândalo foi protagonizado por uma filha Marinésio, na ocasião deputada
federal, tendo causado muitos sofrimentos à igreja.
O
equivoco de se misturar poder político e igreja foi esclarecido por Cristo numa
conversa com seus discípulos, narrada em Marcos 10. Tiago e João reivindicaram
o direito de assentar-se com Jesus, um à direita e outro à esquerda do seu
trono.
Eles
não haviam compreendido que o reino de Cristo não se daria na dimensão da
política terrena. Para esclarecê-los Jesus lhes disse: “Sabeis que os que são
considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os
seus maiorais exercem autoridade.
Mas
entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós,
será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de
todos” (Marcos 10.42-44, com grifo do autor).
A
fala de Cristo (grifada acima) sempre será atual. Alerta contra a centralização
do poder econômico, a hereditariedade do poder, a falta de transparência
financeira e outras mazelas. As instituições mundanas agem dessa forma, “Mas
entre vós não é assim”.
O fenômeno da naturalização
Chama
a atenção em todo esse processo o fenômeno da naturalização. Ou seja, todas
essas características são vistas e vividas como muito naturais, pela liderança
e pela chamada “membresia”.
A
centralização e a hereditariedade do poder, a falta de comunicação e clareza
sobre as contas e o relacionamento – fisiológico, inclusive – com a política,
são encarados como algo muito normal e, portanto, sem a necessidade de qualquer
questionamento.
Todas
essas peculiaridades geralmente são justificadas pela “unção” recebida pelo
“homem de Deus”, inclusive com uma equivocada interpretação do texto bíblico
que diz “Não toqueis os meus ungidos, e aos meus profetas não façais mal” (1 Crônicas 16.22 e Salmo
105.15).
Assim,
um “ungido” centraliza o poder e designa-o a quem bem entende – geralmente aos
filhos – e os demais ungidos e profetas aceitam sem nada dizer.
Da
mesma forma, se ele é um “ungido de Deus”, tem autonomia, à custa da
heteronomia dos demais, para administrar as finanças da igreja sem delas ter
que prestar contas.
Por
outro lado, os membros se isentam da responsabilidade de fiscalizar, pois
acreditam que seu papel é apenas trazer os dízimos (Malaquias 3.10) sem se
preocupar com o que será feito dele.
As
semelhanças desse modelo com a política fisiológica, voltada para projetos
pessoais, são muitas. Isso explica o casamento da igreja com a política
partidária.
Será que não estamos diante
da síndrome de Eli?