Mumbai, Índia – Toda manhã, o colunista de jornais chamado Dr. Mahinder
Watsa, de 90 anos, senta-se no estúdio de seu apartamento.
Mumbai, Índia – Toda manhã, o colunista de
jornais chamado Dr. Mahinder Watsa, de 90 anos, senta-se no estúdio de seu
apartamento.
Se o tempo estiver bom, uma brisa vinda do Mar da Arábia sopra
pela janela.
Em sua frente está uma entrega de
correspondência anônima vinda de toda a Índia, algumas manuscritas e deixadas
em sua caixa de correio, outras digitadas e enviadas por e-mail.
Em seu
interior, um crescendo de ansiedade sexual.
'Meu amigo me viu tomando banho.
Segundo
ele, meu pênis não é maior do que uma castanha de caju.
O que devo fazer para
aumentar o tamanho?'.
'Se um homem e uma mulher se masturbam ao mesmo tempo,
pensando em sexo, isso pode levar a uma gravidez?'.
'Eu estava pensando se
existe qualquer possibilidade de um rapaz ficar grávido caso ele pratique sexo
anal com outro homem'.
Watsa não ri quando lê essas cartas, e
tampouco chora; ele faz isso há tempo demais.
Ele reconhece que se irrita de
tempos em tempos, o que fica evidente em algumas de suas respostas – que
conseguem ser, ao mesmo tempo, compreensivas e fulminantes.
Por exemplo:
'Pegue uma régua e meça do osso púbico até
a ponta de seu órgão.
Se for maior do que 6,35 centímetros, é o suficiente para
satisfazer uma parceira'.
'Não existem anjos para carregar seu esperma até a
pessoa com quem você está sonhando'.
'Sr. Ignoramus, para o restante de suas
dúvidas, visite o Google e aprenda o básico'.
Em uma cultura que é ao mesmo tempo
desorientada e obcecada pelo sexo, Watsa já conquistou a fama de rabugento
contador de verdades.
Como colunista da seção de 'pergunte ao especialista em
sexo' do jornal The Mumbai Mirror, ele – gentilmente – desafiou os limites da
cultura popular indiana, quando, por exemplo, adotou o uso das palavras pênis e
vagina em vez dos eufemismos que costumam ser ensinados às crianças.
Kuni Takahashi/The New York Times
Kuni Takahashi/The New York Times
Ao longo dos
nove anos em que vem escrevendo a coluna diária, pela estimativa de seu editor,
ele recebeu mais de 40 mil cartas buscando conselhos sobre problemas sexuais –
a grande maioria pedindo informações básicas.
Ao respondê-las, ele adentra um
vácuo num país onde, segundo estudo do governo conduzido há vários anos, apenas
um quinto dos jovens relataram ter recebido qualquer tipo de educação sexual.
Sincero o bastante
para inspirar alguns boletins policiais por obscenidade, Watsa é também tão
cortês e gentil que fica impossível imaginar qualquer um tomando providências
reais.
E isso, ao que parece, está no centro de sua forma de insurreição.
'Quando se está
tentando fazer algo novo, você sempre encontra algum obstáculo', afirmou ele.
'Melhor fazer a coisa.
Você pode pedir desculpas depois'.
'Encontro você
na cadeia', disse ele, com um sorriso travesso.
As sobreposições
peculiares da história indiana – com seus conservadores vice-reis vitorianos,
haréns do Império Mogol, a reverência hindu pelo celibato e os fade-outs de
Bollywood – deixaram para trás um complexo conjunto de proibições sobre o sexo.
Se as pesquisas
populares devem ser acreditadas, o indiano médio perde sua virgindade tarde,
com quase 23 anos.
A maioria dos casamentos na Índia ainda é arranjada pelos
pais.
Três quartos dos homens em cidades indianas dizem esperar que suas noivas
sejam virgens, e os recém-casados muitas vezes dividem pequenas moradias com seus
sogros e outros parentes, e ficam sob intensa pressão familiar para se
reproduzir.
Embora especialistas na Índia reconheçam
que muito do sexo recreativo aconteça fora do radar – 'somos hipócritas, não há
dúvida quanto a isso', afirmou um deles –, essas estruturas sociais armam o
palco para a frustração.
Watsa reuniu um tipo diferente de dados. Em
seu consultório em Mumbai, viu casais casados por três anos – ou até mesmo 10 –
sem conseguir consumar, incapazes de confrontar os problemas físicos ou a tensão
paralisante.
Ele consultou jovens adotados pelas matronas de Mumbai, a quem
chama de 'tias', que convidam meninos de 14 ou 15 anos a suas camas enquanto os
maridos trabalham em outros países.
Ele encaminhou tantas noivas para a
reconstrução do hímen, permitindo que elas fingissem a virgindade em sua noite
de núpcias, que a simples menção do assunto faz seus olhos rolarem com cansaço.
Seja qual for seu impulso para desafiar os costumes sociais da Índia, ele é
superado pelo desejo de abordar os problemas práticos das jovens que escrevem
para ele.
'O único conselho que posso lhes oferecer
é: 'Fique quieta e negue tudo'', declarou ele.
'Você precisa salvar o
casamento'.
Porém, as pessoas que o procuram são
principalmente homens preocupados.
Eles se preocupam com o tamanho, formato e
ângulo de seu pênis e com impotência.
Eles se preocupam sobre se é errado
fantasiar sobre as mães de seus amigos.
E eles se preocupam, infinitamente,
sobre se eles podem se ferir enquanto se masturbam, um medo nascido de algumas crenças
hindus tradicionais.
'Cinquenta por cento de minhas perguntas
são sobre por que o cabelo deles não está caindo', disse Watsa.
'É a
zilionésima vez que respondo isso'.
Filho de um médico militar, Watsa estudou
ginecologia e obstetrícia e se juntou às fileiras dos ativistas progressistas
na Associação de Planejamento Familiar da Índia, que promove a educação sexual
e o uso de contraceptivos.
Mesmo nesse grupo de mente liberal, porém, seu foco
na qualidade da vida sexual o deixou isolado.
Watsa aceitou o convite de Meenal Baghel,
editor do The Mumbai Mirror, para escrever a coluna Pergunte ao Especialista em
Sexo.
Era a primeira vez que perguntas assim apareciam num jornal diário na
Índia, em vez de revistas especializadas para homens ou mulheres, e a seção
continua sendo – mesmo nove anos depois – um choque diário às sensibilidades
indianas.
Ano após anos, muitas informações nas
cartas parecem iguais para ele. Elites ricas conseguem as informações de que
precisam, e os pobres ficam na escuridão.
Mas ele notou algumas mudanças – as
mulheres começaram a escrever pela primeira vez, e hoje correspondem a cerca de
30 por cento dos correspondentes.
As classes médias se tornaram mais
religiosas.
E conforme trabalhadores migraram de aldeias para cidades, as delicadas
camadas da sociedade indiana começaram a se sobrepor e se ligar de maneiras
imprevisíveis.
'Se você me perguntar qual é a configuração
da Índia, tudo está completamente descontrolado', afirmou ele.
Mas é difícil falar com Watsa por muito
tempo sem ser interrompido.
No andar de baixo, um homem esperava por ele num
corredor por quase uma hora, e quando seu telefone tocou, era um jovem de 28
anos de Bangalore que havia implorado por seu número a um editor do jornal.
Watsa resmungou algumas perguntas no aparelho – um repórter escutando
conseguiria distinguir a rigidez das palavras – e então pediu licença para
falar com seu visitante.
Ele ressaltou o fato de que hoje oferece
conselhos sexuais a homens 60 ou até 70 anos mais novos do que ele.
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