RIO - Apesar de aproximadamente
70% da superfície da Terra estarem cobertos de água, só cerca de 2,5% deste
precioso composto essencial para a vida existente no planeta consistem em água
doce, ou seja, apropriada ao consumo humano e animal e para uso na agricultura
e na indústria.
Grande parte desta água doce, no entanto, está presa na forma
de gelo nas calotas polares e em glaciares ou em enormes e profundos depósitos
subterrâneos, conhecidos como aquíferos confinados.
Assim, durante milênios, a
Humanidade dependeu quase exclusivamente de lagos e rios, que respondem por
apenas cerca de 0,0072% de toda a água no planeta, e de poços relativamente
rasos, que em geral alcançam só os lençóis freáticos, também conhecidos como
aquíferos não confinados, para sobreviver.
Nas últimas décadas, porém, os
grandes e profundos aquíferos confinados, até pouco tempo atrás praticamente
inacessíveis, começaram a ser usados para suprir diversas necessidades, desde
irrigação de plantações até mitigação da sede de uma população crescente.
O
problema é que em muitos lugares, especialmente em algumas das regiões mais
áridas do planeta, o ritmo de retirada de água destes depósitos subterrâneos é
bem superior à sua reposição natural.
Assim, estas fontes estão começando a
secar, colocando em risco a segurança hídrica, e consequentemente a
sobrevivência, de bilhões de pessoas.
É isso que mostra agora um estudo
que mediu variações no volume de água que estaria guardado nos 37 maiores
sistemas aquíferos (somando depósitos confinados e não confinados) da Terra
entre 2003 e 2013.
De acordo com o levantamento inédito — feito com base em
dados sobre pequenas variações na força da gravidade do planeta medidas pelos
satélites gêmeos da missão espacial Grace, da Nasa —, nada menos que 21 destes
sistemas passaram do nível sustentável, isto é, parecem ter perdido mais água
do que foram recarregados neste período.
E em 13 destes, ou mais de um terço do
total, a diferença entre a retirada e reposição de água seria tamanha que eles
foram classificados como sob grande “estresse”.
Para piorar ainda mais o
cenário, um segundo estudo que acompanha o primeiro também mostra que não
existem dados suficientes para calcular qual o real tamanho destes depósitos
subterrâneos de água, o que torna impossível saber exatamente quando e se eles
vão se esgotar de fato.
— A situação é bem crítica mesmo
— diz Jay Famiglietti, professor da Universidade da Califórnia em Irvine, nos
EUA, e líder de ambos os estudos, publicados nesta quarta-feira no periódico
científico “Water Resources Research”.
— As medições físicas e químicas
disponíveis são simplesmente insuficientes (para saber o volume total dos
aquíferos).
E dada forma rápida como estamos consumindo as reservas aquíferas
do mundo, precisamos de um esforço global coordenado para determinar quanto de
água ainda temos nelas.
Segundo os dados, os sistemas aquíferos sob maior
estresse no mundo são o da Arábia, que fornece água para mais de 60 milhões de pessoas
na Península Arábica; o da Bacia do Rio Indo, entre o Noroeste da Índia e o
Paquistão, com uma população de alcança centenas de milhões de pessoas; e o da
Bacia Murzuk-Djado, no Norte da África — todos localizados em regiões das mais
áridas do planeta.
Califórnia ressecada.
Outro exemplo do uso
descontrolado e excessivo destas reservas subterrâneas de água apontado pelo
primeiro estudo está na Califórnia.
Já normalmente árida, essa região dos EUA
enfrenta uma das maiores secas de sua história, o que levou a um forte aumento
na retirada de água de suas reservas subterrâneas tanto para suprir a sua
grande população quanto para sua agricultura.
— Como vemos na Califórnia agora,
dependemos muito mais das reservas subterrâneas de água durante secas — destaca
Famiglietti.
— Assim, quando formos examinar a sustentabilidade dos recursos
hídricos de uma região, temos que levar em conta esta dependência.
Já no Brasil, as bacias da
Amazônia e do Maranhão, que incluem o grande aquífero confinado de Alter do
Chão, parecem ter ganho volume entre 2003 e 2013, enquanto no também confinado
aquífero Guarani, apontado como um dos maiores do tipo na Terra e que se
estende para além das fronteiras do país, podendo ser acessado de Uruguai,
Paraguai e Argentina, a redução do volume teria sido mínima no período.
Mas
esta situação pode piorar drasticamente caso vá em frente a ideia de usar a
água do Guarani para enfrentar a crise hídrica provocada pela seca dos últimos
anos na Região Sudeste, em especial em São Paulo, onde o sistema de
abastecimento por águas superficiais, como o Cantareira, está à beira do
colapso.
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