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domingo, julho 10, 2016

Vale: A pior empresa do mundo


Por Judith Marshall, para Jacobin

(Tradução de Vinicius Almeida para o Blog Junho


Tanto durante quanto após seus dois mandatos, o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva apostou boa parte de seu legado na orientação “Sul-Sul” do Brasil em relação a África. 

Em troca, alcançou em todo o continente quase a mesma estima de líderes da libertação nacional de países africanos, a exemplo de Nelson Mandela, da África do Sul, ou Samora Machel, de Moçambique.

Em sua primeira visita presidencial a Moçambique, em 2003, Lula obteve uma recepção de herói e deu discursos emocionados sobre a importância da solidariedade Sul Global. 

Ele respondeu com empatia à pandemia da AIDS e manifestou apoio brasileiro, prometendo um projeto para produzir medicamentos a preços acessíveis para combater o vírus.

Talvez o mais revelador não era o que Lula estava dizendo na África, mas que ele trouxe junto com ele. 

A comitiva brasileira incluía Roger Agnelli, o banqueiro impetuoso que desempenhou um papel importante na avaliação do valor de empresa estatal de ponta do Brasil, a Companhia Vale do Rio Doce, no período que antecedeu à sua privatização, em 1997.

Agnelli posteriormente tornou-se o primeiro presidente e CEO da Vale, levando a corporação à indicação de “pior empresa do mundo” em 2012 por ativistas, por conta das suas relações trabalhistas, impactos sociais e ambientais.

Nem isso manchou muito a reputação de Agnelli. Estimulado pelo “superciclo de commodities”, com o aumento médio de 150 por cento entre 2002 e 2012, a aparentemente infindável demanda chinesa por minério de ferro e o vultuoso capital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Agnelli parecia ter o “toque de Midas”. 

Seu tempo no comando da Vale foi caracterizado pela expansão global agressiva e fabulosos lucros e retornos de acionistas.

A equipe de relações públicas de Agnelli na Vale trabalhou duro para projetar um espírito de cooperação Sul-Sul em sincronia com a retórica de Lula, alegando que investimentos em mineração no Brasil no Sul Global traria empregos e desenvolvimento econômico ao contrário de empresas imperialistas “do Norte”.

Ainda sobre a trajetória da Vale, seja dentro do próprio Brasil, em Moçambique, onde embarcou em grandes investimentos na mineração de carvão, de ferro e num complexo portuário, ou no Canadá, onde adquiriu operações de níquel, emergiu um quadro muito diferente, caracterizado por uma dissonância marcada entre a retórica da Vale e as realidades no terreno em todas as operações globais da empresa.

Como membro da equipe do fundo de desenvolvimento internacional do trabalho criado pela Federação de Metalúrgicos, o principal sindicato que representa os trabalhadores de minas no Canadá, tive a oportunidade de acompanhar esta desconexão ao longo da última década, tanto no Canadá após a aquisição da Inco pela Vale, uma das principais empresas de mineração canadense, e em Moçambique, onde os metalúrgicos temos laços de longa data através dos programas de formação sindical.

Os registros da Vale mostram que as práticas e atitudes das empresas multinacionais com sede nos países dos BRICS não são diferentes de empresas mineradoras globais ligadas aos países capitalistas centrais.

Na chegada no Canadá, a Vale combinou sua experiência corporativa de gestão, credenciais de Wall Street e uma especialidade em lidar com a resistência dos sindicatos. A empresa insistiu em grandes concessões por parte dos trabalhadores como uma pré-condição para sentar-se em qualquer mesa de negociações, provocando greves pelo sindicato de onze e dezoito meses, uma longa queda de braço, na qual a Vale foi majoritariamente vitoriosa.

Tito Martins, um executivo da empresa, cristalizou as intenções da Vale clara logo após a primeira greve em um artigo intitulado “A Vale comemora a redução da força dos sindicatos no Canadá”, publicado no jornal brasileiro voltado para economia e negócios Valor Econômico:

“O que era importante para a Vale nessa negociação foi colocar os funcionários no Canadá alinhados ao padrão de relacionamento que a empresa tem com seus funcionários em todo o mundo. Este relacionamento envolve três questões cruciais: plano de pensão, bônus, e cadeia de comando entre empregador e empregado sem a intervenção direta do sindicato”.

Desde 2011, a empresa negligenciou cinco acidentes fatais – um em Thompson, Manitoba, e quatro em Sudbury, Ontario, além de mais dois em empresas contratadas pela Vale. Como afirmou um trabalhador, “seja no subsolo ou na fundição e refinaria, a Vale tornou o serviço mais perigoso do que era antes”.

Mas a empresa deixou um legado ainda pior na África, onde ela ainda é menos fiscalizada institucionalmente. No entanto, é justamente lá que a Vale afirma empregar milhares.

A Vale na África.

A oligarquia local trouxe Lula, Agnelli e a Vale para Moçambique, encorajando o presidente Armando Guebuza de rejeitar a proposta chinesa para depósitos de carvão de Moçambique, porque os chineses trariam os seus próprios trabalhadores, em vez de empregar mão de obra local.
Mesmo sem necessitar do envolvimento de Lula nisso, o fato é que logo após a visita do presidente brasileiro em 2003 ao país, Agnelli foi convidado a tornar-se um membro do Conselho Consultivo Internacional de Guebuza. Em seguida, a Vale tornou-se a primeira empresa multinacional a conceder uma licença para desenvolver grandes reservas de carvão de Moçambique.

Como em 2003, durante seu retorno a Moçambique em 2012, Lula transmitiu mensagens contraditórias de solidariedade, por um lado, e um discurso como lobista das empresas brasileiras, por outro lado, só que desta vez, ao lado do sucessor de Agnelli, Murillo Ferreira.

Durante a viagem o ex-presidente deu uma palestra pública intitulada “A luta contra a desigualdade”, presidida por Graça Machel, viúva do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, e uma figura pública bem conhecida por si só. Ela apresentou Lula como um herói do povo como Samora. Lula, por sua vez, discursou sobre a experiência no Brasil do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), caracterizando-a como um governo que fez crescer e distribuiu o bolo ao mesmo tempo, garantindo, assim, a criação de empregos e programas sociais de combate à pobreza.

Ele incentivou que as empresas brasileiras que investiam em Moçambique contribuíssem também na luta contra a desigualdade, em defesa da justiça social. No entanto, logo após o discurso, Lula somou-se ao novo presidente da Vale no lobby sobre o ministro do Trabalho de Moçambique, Helena Taipo, para reduzir as restrições a trabalhadores estrangeiros em operações da Vale no país.
A revista brasileira Veja confirma a história:

“A Vale foi um dos patrocinadores da viagem de Luiz Inácio Lula da Silva para a África de duas semanas. O presidente da empresa, Murillo Ferreira, viajou no mesmo jato que levou o ex-presidente de Moçambique. Lá, eles se reuniram com a ministra do Trabalho, Helena Taipo, que tem colocado barreiras à exploração de carvão pela empresa brasileira na mina de Moatize, uma das maiores do mundo. Na reunião, Lula tentou sem sucesso convencê-la a reduzir a exigência de mínimo de 85% da mão-de-obra empregada por moçambicanos em operações da Vale”.

A pressão brasileira para reduzir o controle de trabalhadores estrangeiros em Moçambique não é nova. Em uma delegação de sindicalistas do Canadá e do Brasil, nos encontramos com o diretor de Trabalho na província de Tete do país, em 2011, e fomos informados de que a Vale constantemente pressiona autoridades para permitir que a empresa possa extrapolar as cotas previamente negociadas de trabalhadores estrangeiros.

A fase de construção do projeto da mina incluiu não apenas um grande número de trabalhadores brasileiros, mas também os trabalhadores da área de construção das Filipinas. Muitos desses trabalhadores foram contratados por empreiteira Kentz Engineers and Contractors, a qual opera em quase trinta países, e em uma das maiores refinarias de níquel-cobalto do mundo, em Madagascar.
A Kentz emprega no exterior mais de 2.500 trabalhadores filipinos em suas operações globais. Depois de muitos dos filipinos que trabalhavam para Kentz em Madagáscar serem repatriados no final de 2010, eles entraram com processos junto a Philippines Overseas Employment Administration (POEA) acusando a Kentz de relações de trabalho injusta, que incluíam atrasos salariais, alojamentos superlotados, falta de alimentos e de atendimento médico inadequado.

A Kentz foi uma das muitas subempreiteiras contratadas pela Vale Moçambique enquanto esta construía suas bases extrativistas de carvão em Moatize, no noroeste do país. Inspetores do Departamento encontraram trabalhadores no canteiro de obras que não tinham direito a qualquer folga em feriados ou mesmo finais de semana e sequer os uniformes adequados de proteção. A Kentz também não registrou seus trabalhadores moçambicanos para a assistência social.

No dia 18 de novembro de 2011, o Ministério do Trabalho de Moçambique finalmente respondeu, expulsando 115 trabalhadores, principalmente da África do Sul e Filipinas, trazidos ilegalmente para o país por subcontratadas da Vale. A Kentz-Engeneers foi multada em perto de 34 milhões de meticais (cerca de U$ 1,1 milhões) e concedeu trinta dias para corrigir as irregularidades.

Os trabalhadores com base em Tete que participaram nos intercâmbios internacionais indicaram que a fase operacional da extração de carvão emprega hoje não só o número máximo da cota dos trabalhadores brasileiros – ou mais –, mas também muitos outros trabalhadores estrangeiros, com ou sem estatuto de residência legal, a partir de países vizinhos que tem o inglês como idioma oficial, tais como Zimbábue, Zâmbia e Malawi. Filhos e sobrinhos de poderosas figuras do governo e de empresários da capital moçambicana, Maputo, também foram empregados pela Vale.

No mais, o amplo desenvolvimento prometido pelo PT e a Vale é questionável. Apesar de serem as mais afetados pelo boom da mineração – e lidar com a poluição, escassez de habitação e outros serviços, tráfego, ruído e aumento do custo de vida – a população das comunidades locais ao redor da mina e os nativos da cronicamente subdesenvolvida província de Tete testemunharam a abertura de alguns novos postos de trabalho e pequenos outros benefícios do projeto.

As poucas oportunidades de emprego geradas pelas operações de mineração e as dramáticas desigualdades salariais e de benefícios entre estrangeiros e nativos criaram um mal-estar generalizado. Um trabalhador da Vale comentou: “eu trabalho ao lado dos estrangeiros, mas eles ganham quatro vezes mais do que eu”. Outro disse: “operadores de máquinas moçambicanos trabalham em conjunto com os operadores brasileiros, alguns dos quais têm menos formação do que os moçambicanos, mas o brasileiro é automaticamente o supervisor”.

Este sentimento geral foi expresso em uma pesquisa realizada em 2012 para determinar se as experiências dos trabalhadores da Vale no Brasil foram semelhantes às vividas pelos trabalhadores da Vale em Moçambique e Canadá. Estes comentários de trabalhadores transmitem o quão vazias foram as promessas da Vale de geração de emprego para os moçambicanos, ao mesmo tempo, demonstrando a forte sentimento antibrasileiros – não tão diferente de sentimentos antiamericanos e antibritânicos nos países que as suas empresas se instalaram também.

Moçambique, assim como outros governos africanos, não encontrou os meios ou a vontade política para usar megaprojetos em mineração como o pilar estratégico de uma estratégia de industrialização mais profunda. Projetos de mineração tendem a se tornar enclaves, servindo bem aos interesses externos, mas sem agradar os países de sua extração.

Embora não existam estudos sistemáticos para comprovar isto, o sentimento geral em Moçambique sugere que a Vale está, na realidade, tirando empregos. Reassentamentos forçados para abrir caminho para as minas deixaram famílias camponesas sem terra ou água para suas atividades agrícolas e sem acesso aos mercados locais.

Um estudo recente realizado por Antonio Jone para o Observatório do Meio Rural concluiu que as famílias enviadas ao reassentamento rural em Cateme foram afetados negativamente. A adesão muito elogiada da Vale às recomendações do Banco Mundial sobre reassentamentos forçados está muito longe da verdade.

Nos relatórios oficiais da Vale sobre sustentabilidade e seus vídeos publicitários, os reassentamentos de Moçambique são considerados modelos de excelência. Mas o “relatório de insustentabilidade”, elaborado pela Rede Internacional dos Atingidos pela Vale vai a fundo para registrar as vozes dos reassentados que contam uma história de expropriação de terra, água, e casas com rachaduras nas paredes e fundações em ruínas após a primeira chuva estação.

Mais recentemente, o estudo de Antonio Jone em “segurança alimentar” nos reassentamentos da Vale corrobora que a reinstalação tem sido tudo menos uma história de sucesso, e de fato fez com que os produtores rurais estejam em piores condições do que antes da remoção. Além disso, os pequenos produtores locais das áreas afetadas pelas bases de extrativistas – tais como fabricantes de blocos de construção – foram deixados sem mercado para comercializar seus produtos.

Nos últimos anos eles têm realizado agressivas atividades de lobby direcionados tanto ao governo de Moçambique e a Vale. Adotando uma página do playbook corporativo, os pequenos produtores argumentam que sofreram uma perda permanente de meios de subsistência por meio do qual eles poderiam ter esperado uma renda vitalícia na casa dos U$ 350.000, ao invés dos U$ 2.000 que a Vale lhes pagou originalmente.

Em junho de 2013, a Vale declarou o assunto definitivamente encerrado. Ele foi obrigado a reabrir a discussão sobre a compensação, no entanto, uma vez que os fabricantes de blocos têm continuado a exigir suas reivindicações com barricadas que levaram mineração a um impasse, mesmo depois da prisão de seus líderes. O governo de Moçambique tem respondido com expressões contínuas de preocupação com lucros decrescentes por seus “parceiros no desenvolvimento”, a Vale.

A Vale no Brasil.

As ações da Vale foram também vitoriosas contra seus inimigos em casa. A expansão agressiva da empresa ao longo dos anos, desde a sua privatização, a tornou a terceira maior empresa de mineração do mundo, com operações em treze estados brasileiros e em 27 países em seis continentes.
Apesar de suas origens como uma empresa estatal muito ligada ao governo brasileiro (inclusive pelo fato de que ainda há hoje significativos blocos de acionistas da Vale nas mãos dos fundos de pensões do governo), a ascensão da Vale para seu atual status global-player foi caracterizado – como qualquer outra corporação capitalista – por uma implacável e concentrada devoção a altos lucros e dividendos generosos para seus diretores e acionistas.

Muitos brasileiros estão particularmente indignados com a transferência deste ícone nacional ao capital privado em 1997, como parte do padrão global de privatizações no âmbito dos programas de ajustamento estrutural. Nos anos que antecederam a chegada do PT ao poder, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), assumiu a responsabilidade de promover as privatizações a toque de caixa. A venda da Vale foi considerada o episódio de privatização mais escandaloso na história brasileira.

A empresa foi vendida por apenas R$ 3,4 bilhões, em um período de paridade entre o real e o dólar norte-americano. Uma ação em 2004 direcionada ao Tribunal Regional Federal (TRF) em Brasília destacou uma série de irregularidades que provaram que a Vale foi subavaliada. Algumas minas foram ignorados nos cálculos; outros ramos, incluindo o setor florestal, foram subvalorizados; propriedades imateriais de enorme valor (tecnologias, patentes e conhecimento técnico relacionado com a geologia e engenharia de minas) não foram sequer consideradas e a participação como da Vale acionista em outras empresas foi ignorada.

A lista de irregularidades é enorme. O Bradesco, o banco responsável pela avaliação, assumiu o controle da Vale um ano depois, e não por acaso o primeiro presidente da Vale, Roger Agnelli, era um ex-diretor executivo do Bradesco.

Mesmo uma década depois, um plebiscito popular para a reestatização da Vale organizado por sindicatos, estudantes e o Movimento dos Sem Terra em 2007 foi capaz de mobilizar 3 milhões de votantes. Num primeiro momento, o presidente Lula aparentemente não teria se importado muito com as exigências do plebiscito, mas, posteriormente, ele colocou uma pressão pública sobre a Vale durante a crise econômica global nos anos seguintes.

A Vale tentou tirar proveito da crise de 2008 para realizar demissões em larga escala e renegar investimentos previstos na indústria siderúrgica brasileira. Lula usou o sentimento popular antiprivatista, expresso através do plebiscito, para justificar um ataque pública a Agnelli. Ele sugeriu que, para uma empresa tão próxima ao governo como a Vale, que a mesma tinha obrigação de responder a um momento de turbulência mundial, desempenhando um papel estabilizador.

Durante 2009, a visão do governo brasileiro sobre o papel da Vale deveria cumprir e a visão de Agnelli sobre este papel eram abertamente divergentes. Em setembro, a revista brasileira Exame sugeria que o governo planejava derrubar Agnelli. Em um artigo intitulado “Lula critica a Vale e articula destituição de seu presidente”, o jornalista Rafael Souza Ribeiro escreveu:

“O desejo do governo de aumentar o seu papel no controle administrativo da Vale não é de hoje. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já declarou várias vezes este ano que a mineração precisa investir mais no Brasil para criar emprego para a população. Desde a sua demissão de mais de mil funcionários no ano passado, atribuído à crise econômica, Roger Agnelli, presidente da Vale, caiu em desgraça nos corredores do governo”.

É bem verdade que a utilização de Agnelli da crise mundial para justificar a demissão de 1.300 trabalhadores e recuar nos compromissos de investimento na produção de aço no Brasil voltou a assombrá-lo quando o mandato de Lula se encerrou em 2011. A nova presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, articulou os blocos de acionistas da Vale próximos ao governo para provocar uma mudança em sua liderança.

Murillo Ferreira tomou posse como o novo presidente em 2011 e logo em seguida começou a visitar as operações da Vale em todo o mundo. A mudança de liderança de Agnelli para Ferreira e as promessas da Vale de uma gestão mais humana, além de uma redução da tensão trouxeram esperanças de uma mudança, mas as expectativas criadas foram rapidamente frustradas pelos afirmações afrontosas de Ferreira contra os dirigentes sindicais ao longo de sua turnê inaugural. 

No entanto, em resposta às críticas, ele concordou em se reunir, em setembro de 2011, com catorze presidentes dos sindicatos de trabalhadores ligados às operações de mineração da Vale no Brasil.
De acordo com o informe de Valerio Vieira, presidente do sindicato Metabase Inconfidentes, que representa duas minas da Vale em Minas Gerais do Brasil, a maior parte dos líderes sindicais presentes estavam animados para comprar a ideia de Ferreira de uma Vale mais amável e gentil, e elogiaram sua disponibilidade para o diálogo com eles. Elogiaram o discurso emocionado do presidente durante a discussão sobre mortes no local de trabalho.

Mas Vieira, que havia trabalhado para a Vale por 25 anos, não estava convencido. Em seu relatório ao Metabase, compartilhado com ativistas contra a Vale em outros países, Vieira contou que disse a Ferreira que o mesmo levaria muito mais do que três meses para mudar o curso da Vale, após uma década sob a liderança de Agnelli. Além disso, seria necessário uma disposição política que ainda não havia sido demonstrada.

O relatório de Vieira sobre a reunião identificou oito pontos a serem enfrentados pela Vale no Brasil: 

1) a Vale é destacada por sua postura muito antissindical; 

2) um trabalhador Vale tende a ganhar menos do que os trabalhadores nos locais de trabalho semelhantes; 

3) a Vale tem constantemente casos de assédio moral de gerente a funcionários; 

4) impõe metas de produção irreais, criando a atmosfera de tensão permanente, o que a Vale prometeu acabar; 

5) os trabalhadores da empresa vivem sob a constante ameaça de demissão sem justa causa; 

6) os supervisores impõem medidas disciplinares arbitrárias frequentemente; 

7) trabalhar na Vale significa trabalhar em condições perigosas, porque ela coloca a produção acima de tudo, e muitas vezes encobre incidentes de saúde e segurança; 

8) a Vale regularmente tenta subornar o sindicato e líderes do governo, oferecendo-lhes carros, viagens, cartões de crédito e outras regalias.

Em 2012, uma pequena parcela de trabalhadores da Vale no Canadá, Moçambique e Brasil foram questionados se essas oito características de trabalho da Vale identificado por Vieira eram aplicáveis à situação de trabalho deles. 

Embora as situações em cada um dos países se diferenciassem, a resposta esmagadora da pesquisa foi que a caracterização sobre as condições de trabalho na Vale feita por Vieira teve grande eco nos outros países.

Por trás do lobby.

Para além destas contradições, a Vale levou a um entendimento de que as empresas brasileiras teriam alcançado o status de “global challenger”. 

Empresas como a Vale projetam uma imagem de si como o “motor do desenvolvimento” no Brasil e nos países onde elas investem, gerando emprego e crescimento econômico, um símbolo de “Brasil global”.

Por sua vez, o Estado brasileiro atribui grande importância ao apoio dessas empresas. As grandes quantidades de crédito concedidos pelo BNDES e outras políticas públicas criadas para apoiar e facilitar os investimentos globais de multinacionais do Brasil são vistos como plenamente justificados, e as atividades das empresas são retratadas como vantajosas para o Brasil como um todo.

O argumento é que através destes “global challengers”, o Brasil aumentaria a entrada de divisas estrangeiras (por meio de remessas de lucros) e suas exportações, ampliando sua inserção em cadeias de inovação global e beneficiando os seus fornecedores, que também aumentariam a sua produção.

Esta e discurso é enquadrado dentro do paradigma neoliberal: um país que quer ganhar uma posição hegemônica no mundo precisa de grandes empresas. 

Apesar de serem instituições privadas voltadas abertamente para os lucros elevados e bons retornos para os seus diretores e acionistas, as grandes empresas do Brasil e sua expansão global são tratadas como sinônimo de “interesses nacionais” brasileiros. 

A resistência dos trabalhadores e comunidades às operações dessas empresas, seja em casa ou no exterior, é facilmente criminalizada.

Será que a muito anunciada ascensão dos BRICS ao clube de elite de potências globais realmente incluirá os interesses nacionais de todos os cidadãos do Brasil? 

Será que todos os brasileiros veem o sucesso da Vale como um “global challenger” como motivo de comemoração? 

Será que eles pensam que a capacidade da Vale para entrar na competição viciada entre os gigantes globais no mundo da grande mineração significa que o Brasil “chegou”, e que agora pode pensar grande, erguer a cabeça, e orgulhosamente tomar o seu lugar no G20 com os “desenvolvidos” países do Norte?

Para assumir o sucesso da Vale e dos interesses nacionais do Brasil como sinônimos é preciso operar dentro de um velho discurso sobre desenvolvimento, que vê a transição de um país de um sociedade agrária para uma industrial como a principal tarefa do Estado, a sociedade nacional como o principal alvo de planejamento do desenvolvimento e os investidores diretos estrangeiros como a principal fonte de capital para as metas de desenvolvimento do emprego, da modernização e do crescimento econômico a ser alcançado.

Talvez as corporações multinacionais dos BRICS sejam melhor compreendidas quando saímos deste antigo discurso do desenvolvimento baseado em territórios e situando-os em vez disso como atores em um novo discurso global baseado nos fluxos. 

Este é um mundo no qual há uma economia transnacional totalmente articulada com os fluxos de capital, informação, tecnologia, equipamentos e até mesmo terra, trabalho e forças de segurança privadas. Toda essa dinâmica da economia global opera fora da lógica e em grande parte fora do regulamento de jurisdições nacionais.

Uma grande empresa de mineração assume uma responsabilidade mínima nos territórios – e seus cidadãos – em que suas operações de mineração se instalam, operando, ao contrário, por meio de cadeias de fornecimento globais e os fluxos altamente articulados que agora são a marca da economia global.

Empresas usam forte propaganda para disfarçar suas imagens com um forte discurso de sustentabilidade, enquadrando-se à linguagem de legitimação do Pacto Global das Nações Unidas. 

O que é apresentado ao público como a necessidade de uma responsabilidade social para operar é de fato considerada internamente um exercício de gestão de riscos de segurança. As empresas são impulsionadas fundamentalmente pela sua preocupação com o controle de danos, ver qualquer pessoa, política ou instituição impedindo seu caminho como um risco de segurança e, consequentemente, um inimigo da corporação.

Andre Almeida, ex-diretor do Departamento de Inteligência e Segurança Corporativa da Vale, entregou recentemente um grande número de documentos para o procurador-geral da República do Brasil, que apontam para o envolvimento da Vale na espionagem generalizada e infiltração focada em pessoas e organizações consideradas pela empresa como suas inimigas. 

Dentre estas incluem-se jornalistas respeitados, advogados e ativistas de direitos humanos, bem como organizações como a Justiça nos Trilhos e da Rede Internacional dos Atingidos pela Vale.

Por mais perturbadoras que as ações da Vale possam parecer, elas não estão fora do contexto das divisões de classes no Brasil e globalmente. As forças sociais da elite no Brasil e em outros BRICS que têm a intenção de fazer seus países competitivos na economia global, são parte da nova classe transnacional de vencedores criada pela globalização. Através de suas multinacionais como a Vale, eles aspiram a exploração em proporções mundiais.

O desejo dos líderes governamentais e empresariais nos BRICS de atingir o status de protagonistas globais, notado por triunfos como a conquista da indicação para sediar os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, pode realmente incluir um componente de recuperação de orgulho, dignidade e respeito, depois de séculos de humilhação colonial. 

O objetivo perseguido, no entanto, não oferece alternativa à ordem mundial atual, de produção exploradora e consumo para poucos. As práticas dos emergentes capitalistas brasileiros, indianos, sul-africanos ou chineses são pouco distinguíveis da pilhagem dos seus concorrentes globais ligadas aos centros imperiais antigos na Europa e América do Norte.

A visão dos BRICS exclui os pobres dentro de seus próprios países e ignora os impactos ambientais dos modelos de crescimento que aspiram. O desejo dos BRICS para serem jogadores do atual sistema global e consumidores “de classe mundial” agrava as desigualdades existentes e atinge ainda mais o meio ambiente, tornando-os grandes autores de instabilidade global e a injustiça.

(Publicado originalmente no blog da revista Jacobin.)

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