Por O Globo
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Um presidente da República aceita receber a visita de
um megaempresário alvo de cinco operações da Polícia Federal que apuram o
pagamento de milhões em propinas entregues a autoridades públicas, inclusive a
aliados do próprio presidente.
O encontro não é às claras, no Palácio do Planalto,
com agenda pública.
Ele se dá quase às onze horas da noite na residência
do presidente, de forma clandestina.
Ao sair, o empresário combina novos encontros do tipo,
e se vangloria do esquema que deu certo: "Fui chegando, eles
abriram.
Nem perguntaram o meu nome".
A simples decisão de recebê-lo já guardaria boa dose
de escândalo. Mas houve mais, muito mais.
Em diálogo que revela intimidade entre os dois, o empresário quer saber como anda a relação do presidente com um ex-deputado, ex-aliado do presidente, preso há meses, acusado de se deixar corromper por milhões.
Em diálogo que revela intimidade entre os dois, o empresário quer saber como anda a relação do presidente com um ex-deputado, ex-aliado do presidente, preso há meses, acusado de se deixar corromper por milhões.
Este ex-deputado, em outro inquérito, é acusado
inclusive de receber propina do empresário para facilitar a vida de suas
empresas no FI-FGTS da Caixa Econômica Federal.
O presidente se mostra amuado, e lembra que o
ex-deputado tentou fustigá-lo, ao torná-lo testemunha de defesa com perguntas
que o próprio juiz vetou por acreditar que elas tinham por objetivo
intimidá-lo.
Ao ouvir esse relato do presidente, o empresário procura tranquilizá-lo mostrando os préstimos que fez.
Ao ouvir esse relato do presidente, o empresário procura tranquilizá-lo mostrando os préstimos que fez.
Diz, abertamente, que "zerou" as
"pendências" com o ex-deputado, que tinha ido "firme"
contra ele na cobrança.
E que ao zerar as pendências, tirou-o "da
frente".
Mais tarde um pouco, em outro trecho, diz que
conseguiu "ficar de bem" com ele.
Como o presidente reage?
Com um incentivo: "Tem que manter isso,
viu?"
Não é preciso grande esforço para entender o significado dessa sequência de diálogos.
Não é preciso grande esforço para entender o significado dessa sequência de diálogos.
Afinal, que pendências, senão o pagamento de propinas
ainda não entregues, pode ter o empresário com um ex-deputado preso por
corrupção?
Que objetivo terá tido o empresário quando afirmou
que, zerando as pendências, conseguiu ficar de bem com ele, senão tranquilizar
o presidente quanto ao fato de que, com aquelas providências, conseguiu
mantê-lo quieto?
E, por fim, que significado pode ter o incentivo do
presidente ("tem que manter isso, viu"), senão uma advertência para
que o empresário continue com as pendências zeradas, tirando o ex-deputado da
frente e se mantendo bem com ele?
Esses diálogos falam por si e bastariam para fazer ruir a imagem de integridade moral que o presidente tem orgulho de cultivar.
Esses diálogos falam por si e bastariam para fazer ruir a imagem de integridade moral que o presidente tem orgulho de cultivar.
Mas houve mais.
O empresário relata as suas agruras com a Justiça, e,
abertamente, narra ao presidente alguns êxitos que suas práticas de corrupção
lhe permitiram ter.
Conta que tem em mãos dois juízes, que lhe facilitam a
vida, e um procurador, que lhe repassa informações.
Um escândalo.
O que faz o presidente?
Expulsa o empresário de sua casa e o denuncia as
autoridades?
Não.
Exclama, satisfeito: "Ótimo, ótimo".
Não é tudo, porém.
Não é tudo, porém.
Em menos de 40 minutos de conversa, o empresário ainda
encontra tempo para se queixar de um ex-funcionário seu, atual ministro da
Fazenda.
Diz, com desfaçatez, que tem enfrentado resistência no
ministro da Fazenda para conseguir a troca dos mais altos funcionários do
governo na área econômica: o secretário da Receita Federal, a presidente do
BNDES, o presidente do Cade e o presidente da CVM.
Pede, então, que seja autorizado a usar o nome do
presidente quando for novamente ao ministro da Fazenda com tais pleitos.
O que faz o presidente?
Manda-o embora, indignado?
Não, de forma alguma.
O presidente autoriza: "Pode fazer".
Este jornal apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer.
Este jornal apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer.
Acreditou e acredita que, mais do que dele, o projeto
é dos brasileiros, porque somente ele fará o Brasil encontrar o caminho do
crescimento, fundamental para o bem-estar de todos os brasileiros.
As reformas são essenciais para conduzir o país para a
estabilidade política, para a paz social e para o normal funcionamento de
nossas instituições.
Tal projeto fará o país chegar a 2018 maduro para fazer
a escolha do futuro presidente do país num ambiente de normalidade política e
econômica.
Mas a crença nesse projeto não pode levar ao autoengano, à cegueira, a virar as costas para a verdade.
Mas a crença nesse projeto não pode levar ao autoengano, à cegueira, a virar as costas para a verdade.
Não pode levar ao desrespeito a princípios morais e
éticos.
Esses diálogos expõem, com clareza cristalina, o
significado do encontro clandestino do presidente Michel Temer com o empresário
Joesley Batista.
Ao abrir as portas de sua casa ao empresário, o
presidente abriu também as portas para a sua derrocada.
E tornou verossímeis as delações da Odebrecht,
divulgadas recentemente, e as de Joesley, que vieram agora a público.
Nenhum cidadão, cônscio das obrigações da cidadania, pode deixar de reconhecer que o presidente perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para continuar governando o Brasil.
Nenhum cidadão, cônscio das obrigações da cidadania, pode deixar de reconhecer que o presidente perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para continuar governando o Brasil.
Há os que pensam que o fim deste governo provocará,
mais uma vez, o atraso da tão esperada estabilidade, do tão almejado
crescimento econômico, da tão sonhada paz social.
Mas é justamente o contrário.
A realidade não é aquilo que sonhamos, mas aquilo que
vivemos.
Fingir que o escândalo não passa de uma inocente
conversa entre amigos, iludir-se achando que é melhor tapar o nariz e ver as
reformas logo aprovadas, tomar o caminho hipócrita de que nada tão fora da
rotina aconteceu não é uma opção.
Fazer isso, além de contribuir para a perpetuação de
práticas que têm sido a desgraça do nosso país, não apressará o projeto de
reformas de que o Brasil necessita desesperadamente.
Será, isso sim, a razão para que ele seja mais uma vez
postergado.
Só um governo com condições morais e éticas pode
levá-lo adiante.
Quanto mais rapidamente esse novo governo estiver instalado,
de acordo com o que determina a Constituição, tanto melhor.
A renúncia é uma decisão unilateral do presidente.
A renúncia é uma decisão unilateral do presidente.
Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o
país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará.
É o que os cidadãos de bem esperam dele.
Se não o fizer, arrastará o Brasil a uma crise
política ainda mais profunda que, ninguém se engane, chegará, contudo, ao mesmo
resultado, seja pelo impeachment, seja por denúncia acolhida pelo Supremo
Tribunal Federal.
O caminho pela frente não será fácil. Mas, se há um
consolo, é que a Constituição cidadã de 1988 tem o roteiro para
percorrê-lo.
O Brasil deve se manter integralmente fiel a ela, sem
inovações ou atalhos, e enfrentar a realidade sem ilusões vãs.
E, passo a passo, chegar ao futuro de bem-estar que
toda a nação deseja.
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