63% dos indígenas não conseguiram vaga gratuita ou não foram selecionados pelo Fies ou pelo Prouni para custear faculdade privada, mostram dados do Censo 2016.
Por Carolina Dantas, G1
Os estudantes indígenas formam o grupo com menor percentual de
atendimento nas três principais políticas públicas de acesso ao ensino
superior.
Segundo os dados mais recentes do Censo da Educação Superior,
63% dos indígenas que estavam matriculados em 2016 não conseguiram vaga
na rede pública, não foram selecionados para contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e nem para obter bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) para custear faculdade privada.
Apoio do governo para estudar
Com base nas autodeclarações de raça/cor, percentual de acesso a rede pública, Fies ou Prouni (%).
Com base nas autodeclarações de raça/cor, percentual de acesso a rede pública, Fies ou Prouni (%)
Pretos
% 60
% 60
Brancos
% 45
% 45
Fonte: INEP
Os dados que mostram a participação dos indígenas no ensino superior
integram o detalhamento do mais recente Censo disponível, organizado
pelo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O perfil dos universitários segundo suas autodeclarações de cor/raça
foi analisado pelo G1 a partir de um levantamento de dados feito pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
Dos mais de 49 mil índios no ensino superior, 12.348 estão na rede
pública (25%) e 36.678 estão nas universidades privadas (75%).
Esses
números incluem os cursos presenciais e a distância.
A divisão com
maioria na rede privada está dentro da média geral dos universitários
brasileiros: em 2016, o país tinha 8,048 milhões de universitários e
6,05 milhões estavam na rede privada (75,3%).
Matrículas no ensino superior
Total de universitários em cursos de graduação por cor/raça autodeclarada
Fonte:
Censo da Educação Superior 2016 - *Em “Não informado” o Inep agrupa
aqueles classificados como “não declarados” ou “não dispõe de
informação”.
Se o levantamento considerar exclusivamente o total de universitários
na rede privada que não contam com nenhum tipo de financiamento e nem
bolsa do Prouni, o percentual de indígenas que banca sua própria
mensalidade chega a 71%.
O índice é praticamente idêntico ao dos
autodeclarados negros (70,5%).
Essas realidades são vistas com histórias como a de Ingrid e Fetxawewe,
dois indígenas moradores de Brasília.
Leia mais abaixo.
Estudam na rede privada sem financiamento ou Prouni
Com base nas autodeclarações de raça/cor, percentual extraído do Censo 2016
Fonte: Censo da Educação Superior 2016.
Vestibulares e localização
Os processos seletivos, as políticas de permanência e a localização dos
campus são pontos apontados por especialistas como impeditivos para
mais matrículas das diferentes etnias indígenas na rede pública.
“A maior presença em universidades particulares pode ter a ver com o fato de elas serem realmente mais acessíveis.
Não tem o funil de alguns vestibulares, e muitas vezes elas estão em localidades mais próximas das terras indígenas.” -
Antonella Tassinari, pesquisadora e antropóloga
Ao mesmo tempo, a pesquisadora e antropóloga aponta que as políticas
implantadas com reservas de vagas ajudaram a diminuir a distância entre
os estudantes indígenas e as universidades públicas.
As políticas de
permanência precisam, no entanto, de uma análise permanente.
"Ficar na universidade é uma grande batalha dos estudantes indígenas.
(...) Os primeiros meses são sempre uma batalha de como eles vão se manter." - Antonella Tassinari, antropóloga
Em algumas universidades, como a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), a questão do processo seletivo é levada em conta.
Uma prova
específica é aplicada para os estudantes indígenas que pretendem
concorrer às vagas extras criadas – além do número separado pela lei de
cotas, outras 10 vagas são destinadas no total.
O processo seletivo, segundo pesquisadores, apresenta questões que na
maior parte das vezes estão ligadas a um cotidiano que não reflete a
cultura indígena.
"Até 2008 não tínhamos o registro de indígenas cursando uma graduação
na universidade.
Nenhum estudante na UFRGS em 80 anos de universidade.
Só isso já é um avanço.
Hoje, a gente tem em torno de 75 indígenas
cursando as graduações”, afirma Michele Doebber, pesquisadora da
universidade gaúcha que analisa a política de recepção dos indígenas.
"Só o impacto dessa presença no cotidiano já traz questionamentos.
As mulheres que levam para aula os filhos, essa presença que de alguma forma provoca na sala de aula o ponto de vista indígena." - Michele Doebber
Na universidade privada
Filho de uma mãe Guajajara, povo do Maranhão, e de um pai Fulni-ô, de
Pernambuco, o estudante de Direito Fetxawewe Tapuya escolheu pagar uma
universidade privada.
Por ser calouro, no primeiro semestre do curso,
recebe 25% de desconto na mensalidade de R$ 1,2 mil.
Depois, o valor
passará a ser integral.
Fetxawewe mora em Brasília e conta que preferia estudar na Universidade
de Brasília (UnB).
Chegou a prestar vestibular com o interesse na
reserva de vagas, mas ficou em 5º lugar.
Eram duas vagas.
No lugar de tentar outra universidade menos concorrida, em outro
estado, ele achou que valeria a pena ficar junto com a mãe na capital
federal.
Eles moram no Santuário dos Pajés, região a parte noroeste de
Brasília com frequente disputa por território. Para ele, ficar é
importante.
Além disso, ele conta que naturalmente é mais fácil estudar na cidade onde se vive.
Para um indígena, mais ainda.
"O indígena calouro sofre muito.
Eu, como já moro em Brasília, sofro menos.
Mas quem é de fora passa por uma avalanche de preconceito." - Fetxawewe Tapuya
"Os preconceitos mais frequentes são os mais descarados.
Eles
perguntam: 'Se você é realmente é indígena, o que você está fazendo na
universidade?'
E tem povos que ainda tem mais problemas com a fala,
porque aprenderam o português mais tarde e junto com outra língua",
completou.
Na universidade pública
O outro lado, dos que arriscam mudar de cidade e ir atrás de uma
universidade pública, também existe.
Ingrid Rodrigues, de 21 anos, do
povo Paumari localizado perto do Rio Ituxi, no Amazonas, comemorou
quando conseguiu ingressar no curso de direito da Universidade de
Brasília (UnB) – mesmo que, com a pouca grana, não saiba até quando deve
ficar na cidade.
Ela conta que foi a primeira Paumari a ingressar no curso, sendo que
existem 1,8 mil da mesma etnia.
Começou as mudanças cedo, aos 5 anos,
quando precisou sair da aldeia e ir para a cidade mais perto – ela e os
pais foram para o município de Lábrea.
Segundo Ingrid, a família
precisou mudar para conseguir estudar em uma escola melhor.
"Eu aprendi português desde criança, sempre com a minha língua junto.
Eu falo arauá, mas tem coisas que eu já esqueci por causa da mudança", disse.
Para chegar a Brasília, o Coletivo Purus fez uma “vaquinha” para pagar a
passagem nas redes sociais.
Ainda sem resposta sobre a residência
universitária, ela vive o primeiro mês na casa de outra indígena que faz
pós-graduação.
A grana que conseguiu, vale para mais um mês. Até lá, ela tenta uma
bolsa permanência da universidade e todas as opções disponíveis do
governo.
Ela come no restaurante universitário e precisa de uma vaga na
residência. Saiba mais sobre a história da Ingrid.
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