Neste
fim-de-semana, o ditador socialista de Cuba, Fidel Castro, completou 90
anos, fato que foi comemorado efusivamente pelas redações jornalísticas
brasileiras. Criador de uma das mais longevas ditaduras do planeta,
Fidel foi chamado de tudo: líder, ex-presidente, mandatário… exceto
ditador.
Ditador, genocida, totalitário,
comunista, tirano, déspota, autocrata, magnata, régula.
Todos são
adjetivos cabíveis a Fidel Castro.
A imprensa, ao comemorar seu
aniversário, preferiu sempre edulcorar sua imagem.
Para o UOL, Fidel Castro é apenas polêmico, um “líder imortal” (sic) ou “comandante” que “deixou a CIA obcecada”.
Além da CIA, poderia contar entre os
“obcecados” as milhares de pessoas que usaram até geladeiras como botes
para atravessar um dos mares mais abarrotados de tubarões do mundo para
tentar chegar à Miami, na única ilha do mundo sem comunidade pesqueira
(do contrário, todos usam seus botes para fugir do socialismo comandado
por Fidel).
Luis Posada Carriles, exilado cubano
que, nas tentativas de assassinar Fidel, acabou derrubando um avião em
que morreram 73 pessoas, é chamado de “terrorista cruel”, citando-se o
próprio Fidel Castro.
Fidel, responsável pela morte de cerca de mil
vezes este número de pessoas pelas contas dos ex-comunistas que
escreveram o Livro Negro do Comunismo, só é chamado de “ditador” na legenda de uma foto.
Até mesmo quando solta prisioneiros
políticos, ao invés de se atentar para o fato de que apenas ditadores
ideológicos possuem esta classe de pessoas sob sua custódia, os
holofotes se voltam para a “benevolência” de Fidel Castro, ou sua
articulação política com o “imperialismo” americano.
Em outro artigo do UOL, a manchete o trata quase como um papa:
Após chamar o ditador totalitário de
“ex-presidente”, logo no início do texto o tom de capacho de tirano
socialista ultrapassa as raias do ridículo:
“É preciso frisar sobre a necessidade de
preservar a paz, e que nenhuma potência tenha o direito de matar
milhões de seres humanos”, escreveu o líder da Revolução Cubana (…)
O direito de Fidel Castro de matar opositores e tomar toda a renda cubana para si, para “redistribuí-la” conforme sua vontade/ideologia,
não é nem mencionado. Cuba é, hoje, a maior propriedade particular do
mundo, sendo um país insular inteiro que trabalha para a família de
Fidel.
Comenta-se em matiz apaixonado da
crítica de Fidel contra os ataques de Hiroshima e Nagasaki, mostrando
que a preocupação do tirano ainda é anterior à Guerra Fria.
Não se
comenta que Fidel Castro ele mesmo foi causador da crise nuclear em que
quase foram apertados dois botões vermelhos que poderiam transformar o
globo inteiro num deserto radioativo (a única coisa mais mortífera do
que o socialismo).
Pelo tom do artigo, o risco à humanidade
é mesmo a América e seu imperialismo assassino. E bom mesmo é a
panacéia “educação”, assunto do qual, aparentemente, Fidel Castro foi o
primeiro na humanidade a falar. Quanto mais educação cubanófila, melhor,
para o “mandatário”:
Fidel, afastado do poder por problemas
de saúde há uma década, aborda neste novo artigo questões como o
problema da superpopulação mundial, as armas nucleares, as tentativas
dos Estados Unidos de eliminá-lo e a importância da educação, mas também
lembra, em tom nostálgico, episódios de sua infância.
Já no G1, portal da Globo, considerada
“golpista” ou até “de direita” pela esquerda brasileira, Fidel Castro é
chamado de “ex-presidente” – apesar de chamar Fugêncio Batista sem meias
palavras de “ditador”.
O texto jornalístico parece dar a entender que
Cuba, com a revolução socialista capitaneada por Fidel e Che Guevara, se
abriu para a liberdade e participação política.
O artigo já abre com um parágrafo edulcorado:
O ex-presidente cubano Fidel Castro
completa 90 anos de idade neste sábado (13), marco que está sendo
amplamente celebrado pelo regime, apesar de ele mesmo, ao longo de sua
trajetória, já ter dito ser contra o culto à sua imagem — uma de suas
primeiras proibições após o triunfo da revolução foi determinar que não
haveria estátuas suas, nem ruas com seu nome.
Não se chama a ditadura castrista de
“ditadura”, prefere-se “governo cubano”. Algo como chamar o Terceiro
Reich de “governo alemão”.
Aposte-se que tais jornalistas fariam
artigos indignados se alguém chamasse a ditadura militar brasileira (que
existiu justamente para combater elementos treinados pela ditadura de
Fidel Castro, como José Dirceu) de “governo militar”.
Tendo matado cerca
de 500 pessoas em 21 anos e tendo ditadores eleitos – Fidel governou
por mais de meio século, nunca foi eleito para nada e matou dezenas de
milhares.
Tudo o que o tal “governo cubano” (a
ditadura castrista) faz para enaltecer seu próprio déspota é dito na
estranha voz passiva, raramente usada no jornalismo: “Também foram
publicados livros de seus discursos, foram feitos shows e foi lançado um
vídeo musical”.
Fidel Castro, para a Globo, está
“aposentado” há 10 anos. E após muita citação para dizer que Fidel nunca
quis um culto à sua imagem, uma deliciosa frase: “Mas o líder da
revolução não pôde evitar que sua imagem lhe escapasse das mãos.” As
fontes usadas são maravilhas como “Alí Rodríguez, ex-guerrilheiro e
atual embaixador venezuelano em Cuba” ou “Fabián Escalante, ex-chefe de
inteligência cubano”. Com quem o povo da Globo anda conversando na hora
do recreio?
Sobre a morte, sobra ainda outra pérola
de Fidel Castro: “‘Oxalá todos morrêssemos de morte natural, não
queremos que se adiante nem um segundo a hora da morte’, declarou em
1991.”
Deve ser difícil achar uma boa frase de Fidel Castro sobre
pessoas morrendo, para voltar a 1991, ano do esfacelamento da União
Soviética. Deve ser ainda mais curioso perguntar o que os mortos no paredón acham de tal declaração.
As “derrotas” de Fidel Castro também são
lembradas. Num tom de heroísmo de Sessão da Tarde: “Nem sempre Castro
venceu. Após um esforço titânico, não conseguiu, como tinha proposto,
produzir 10 milhões de toneladas de açúcar em 1970.
Mas conseguiu que
Cuba derrotasse o analfabetismo em apenas um ano.” Faltou comentar que
Cuba estava praticamente erradicada do analfabetismo no ano anterior à
revolução (Fidel, na verdade, baixou o índice de 3% para 2%).
Mas o melhor faux pas fica para a seguinte passagem:
Também não conseguiu que os Estados
Unidos devolvessem o território de Guantánamo, cedido há um século, mas
conseguiu trazer de volta o menino Elián González, levado
clandestinamente em uma embarcação por sua mãe, que morreu na tentativa
de chegar a Miami e cuja custódia provocou uma queda de braço entre
Havana e Washington.
Guantánamo, exatamente ao contrário do
que a mídia ocidental publica, é o que permite que a América não sofra
com tantos atentados terroristas – bem mais efetivo do que a frase de
Fidel Castro sobre morte natural. Mas é tratada como um acinte – parece
ser melhor uma prisão ser controlada por um ditador do que por um país
em que a lei está acima do presidente eleito.
Mas então o “menino Elián Gonzáles”, que, O Fortuna,
foi “levado clandestinamente” pela sua mãe, vejam só que criminosa essa
mãe, foi “trazido de volta” pelo grande “líder” Fidel Castro! Mas que
exemplo para a humanidade!
Tais jornalistas poderiam ser mandados
para Cuba no lugar do menino Eliás Gonzáles. O clima é diferente, a
comida é repetida e sem gosto, a população é paupérrima, não há
liberdade política, mas se escreverem no Granma o que escrevem no Globo,
nem sentirão diferença no trabalho.
Grandes analistas da linguagem, como
Teun van Dijk ou Noam Chomsky, não cansam de analisar a mídia e a forma
como as informações políticas chegam ao público numa sociedade de mídia
de massas para criticar o “conservadorismo” (sic) da imprensa.
Qualquer cor, destaque, duplo-sentido, ironia, frase mal colocada,
adjetivo, eufemismo ou hipérbole é destacado por eles.
Até a nova
disciplina da análise do discurso, unindo lingüística, marxismo e psicanálise, foi criada com este fito.
Exemplos abundam exatamente do oposto:
uma linguagem completamente edulcorada na imprensa justamente para
defender o totalitarismo socialista que tais autores defendem com uma
qualidade de análise rarissimamente encontrada na direita.
É mais do que urgente que tais análises milimétricas do discurso jornalístico no Brasil e no mundo mostrem o que Dijk, Chomsky et caterva não percebem: sua “crítica” esquerdista à mídia foi aceita pela mídia, e ela é hoje mainstream. Encontrar alguém que chame um ditador socialista de ditador (ou mesmo de socialista) que é a grande dificuldade do século XXI.
É o que chamamos em nosso livro de infowar:
a guerra de narrativas na mídia, que nunca está nos argumentos, e sim
nas entrelinhas, gerando sentimentos e direcionamentos de visão, sem que
o público esteja consciência da manobra.
A propósito, Cuba também sente falta de
papel higiênico, o que faz com que o jornal único cubano enaltecendo
Raúl e Fidel Castro tenha um destino bem adequado ao que lá é escrito.
Felizmente não precisamos mandar o G1, o UOL e o jornalismo brasileiro
para o mesmo destino.
…
Contribua para manter o Senso Incomum no ar sendo nosso patrão através do Patreon.
Não perca nossas análises culturais e políticas curtindo nossa página no Facebook
E espalhe novos pensamentos seguindo nosso perfil no Twitter: @sensoinc